Luzes, câmera, ação. Para os pintores, especialmente para o excêntrico pintor britânico Joseph Mallord William Turner (Timothy Spall), o primeiro elemento da tríade cinematográfica também é o mais importante de uma das artes de onde se derivou a sétima. A luz, nunca levada em conta pelo público médio, é vital para a compreensão do que um quadro quer dizer, seja ele uma pintura de aquarela ou as paisagens estáticas de Mr. Turner, escrito e dirigido por Mike Leigh (O Segredo de Vera Drake).
O filme protagonizado por Timothy Spall (mais conhecido por seu papel de Peter Pettigrew na série Harry Potter) acompanha a vida do pintor romântico desde a morte do pai até a sua própria e esperada morte. Spall consegue a proeza de se afastar de seus papéis cômicos e colocar um filtro de mistério por trás daquele esquisito homem que bufa e respira como um porco, se mantém quieto na maioria de suas observações, mas quando fala nunca é algo que esperamos, mas sempre mais profundo e igualmente misterioso.
O mistério, aliás, é muito bem mostrado naquela própria época, onde as primeiras descobertas físicas estavam ainda sendo arranhadas, e onde coisas como prismas, agulhas magnetizadas e câmeras fotográficas era a tecnologia de ponta. Turner vira nosso guia por diversos níveis daquele mundo, seja os primeiros passos da ciência desbravando a origem da luz, a academia de pintores e suas discussões acaloradas ou até colegas históricos e suas desavenças. Chega a arriscar ideias além do próprio personagem, questionando a propriedade das obras de arte após a morte de um artista, e se seria ético mantê-las trancadas pelo bel prazer do dinheiro de poucos, ou pertencer ao próprio povo e terras que serviram de inspiração.
Porém, o que o diretor Mike Leigh parece mais fascinado é em nos situar em uma época de maneirismos sociais exóticos e um ritmo lentíssimo para os padrões atuais maquiado com cortes longos – e infelizmente muitas vezes perde-se a passagem do tempo. É um jogo arriscado que funciona mais do que deveria porque entendemos que a arte só conseguiu se concretizar através de diferentes vivências e percepções de um artista que buscava captar o momento de forma mais abrangente do que uma pessoa sentada em uma cadeira estática por dez segundos. Há vida nos rabiscos de Turner que ganham vida extra comparadas com a atmosfera de sua própria.
Isso explica, também, como o que há em seus quadros é o que falta em suas interações sociais. Em determinado momento sua mulher tenta afastar Turner por um breve momento de seu quadro recém-pintado, no que se transforma em seus últimos suspiros. Você não afasta um homem do que ele é, nem por um segundo.
“Mr. Turner” (RU/Fra/Ale, 2014), escrito dirigido por Mike Leigh, com Timothy Spall, Paul Jesson e Dorothy Atkinson.