Não Solte! | Solte sim…

Em 2003 o diretor francês Alejandre Aja dirigiu um dos filmes de terror que melhor joga com a ideia de uma ambiguidade, da dúvida e das questões de o quanto o ponto de vista do personagem pode influenciar o espectador, Alta Tensão. Duas garotas começam a ser perseguidas por um assassino misterioso, mas nada é o que parece. Não Solte!, seu novo filme, poderia brincar com isso, mas sei lá o que ele faz.

Nesses quase 20 anos entre os dois filmes, Aja fez coisas incríveis como Viagem Maldita e Preadores Assassinos (e Piranha!), mas também tropeçou, por exemplo, no esquisitão A Nona Vida de Louis Drax, e talvez isso explique Não Solte!, que caminha por esse mesmo lugar onde a busca por uma delicadeza familiar parece ser maior do que a simples procura pela diversão de seus fãs.

E o pior, isso com uma premissa tão boa que vai segurar boa parte do interesse dos espectadores. Uma casa no meio de uma floresta, uma mãe (Hale Berry) e seus dois filhos (Percy Daggs IV e Anthony B. Jenkins), aparentemente, um mundo pós-apocalíptico onde o Mal (simples assim!) tomou conta de todo mundo. Mas eles estão protegidos desse Mal por estarem nessa casa construída pelo avô das crianças, e para se manterem sempre ligados a ela, só saem pela floresta amarrados por uma corda que está presa à fundação da tal casa.

O roteiro de KC Coughlin e Ryan Grassby vai aos poucos olhando para essa história enquanto empilha um monte de dúvidas, questões e maluquices. Aja entre nesse momento para criar um clima tenso e com um ritmo que permanece firme e sempre culmina com um susto aqui e outro ali e até algumas aparições que entreterão os fãs do gênero. Mas o que tem além disso? A resposta mais fácil é: talvez algo, talvez nada.

Anthony B. Jenkins as Samuel in Never Let Go. Photo Credit: Liane Hentscher

Mas seria impossível passar além desse ponto de discussão do filme sem esbarrar em nenhum spoiler. O que talvez acabe sendo um problema para ele próprio também, já que é como se ele (perdão pelo trocadilho!) deixasse pontas soltas demais nessas cordas. Seria improvável e até inimaginável que o roteiro conseguissem suprir todas perguntas e ideias no caminhar da trama. Ele não consegue e vai enganando o espectador, depois muda de rumo, volta para onde era, decide pegar um outro caminho e, por fim, fica no meio do caminho, como se a sua corda tivesse ficada enrolada em cada uma de suas ideias e o filme não pudesse ir muito mais longe.

O detalhe inicial de apenas a mãe conseguir enxergar as personificações do Mal dá uma pista do estado mental e emocional da personagem. As perguntas pertinentes do filho sobre o mundo ao redor dão outra pista. Mas a presença de uma motivação sobrenatural nunca desgarra da ideia e vai colocando o filme sempre nesse caminho. É impossível ainda ignorar o quanto todo lado quase religioso envolvendo as cordas e a casa é interessante e divertido, o que faz com que seja frustrante quando a trama ruma para uma outra solução. Ou qualquer solução.

Não Solte! acaba se explicando demais. Por mais que aceite ficar nesse meio termo entre o concreto e o abstrato, entre o sobrenatural e o explicado. Pior ainda, acaba deixando de lado uma possibilidade de explorar melhor as razões e explicações da mãe. Halle Berry está absolutamente esforçada no papel e se tivesse ganhado ainda mais profundidade e questões a serem exploradas, teria acrescentado ainda mais camadas para o filme e para seu trabalho.

E com Aja segurando o filme até o final, Não Solte!, pelo menos, segue até lá tenso e com boas cenas. Mas ao também ter que mostrar mais do que o filme gostaria, fica refém de uma solução visualmente bobinha e escamosa.

Seria incrível se Não Solte! deixasse os espectadores saírem do cinema sem entender nada direito. Tentando descobrir o que daquilo tudo era real, metáfora, símbolo ou analogia. Seria melhor ainda não desvendar a mãe vivida por Hale Berry. Mas nada disso acontece e o que sobra é uma foto polaroide sem graça.


“Never Let Go!” (EUA, 2024); escrito por KC Coughlin e Ryan Grassby; dirigido por Alexandre Aja; com Halle Berry, Percy Daggs IV e Anthony B. Jenkins.


Trailer do Filme – Não Solte!

DEIXE UM COMENTÁRIO

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Menu