Ainda que o cartaz de Neve Negra o aponte exageradamente como ¿O Maior Filme Argentino do Ano¿, o segundo filme de Martin Hodara é um exemplar suspense que sabe bem seu tamanho (muito menor que isso) e não perde o foco disso.
Na história, Leonarndo Sbaraglia é Marcos, um homem que precisa voltar à Argentina para cuidar de uma série de compromissos diante da morte do pai, como a irmã doente e uma propriedade que vale alguns milhões. Mas para resolver o problema com esse lugar, têm que ir até uma velha cabana de caça, junto com sua esposa grávida, Laura (Laia Costa), para encontrar o irmão mais velho e recluso, Salvador (sim… Ricardo Darín, porque filme argentino lançado no Brasil tem que ter o Darín!).
Mas esse reencontro pode despertar uma série de traumas do passado, como a violência do pai e a morte acidental do irmão mais novo durante uma caça. E Neve Negra é sobre o quanto o passado está preso ao presente e não deixa ele ir em frente. Como uma âncora.
Escrito pelo próprio Hodara em parceria com Leonel D´Agostino, Neve Negra em pouco tempo assume esse suspense onde o passado anda colado à ação do presente. Como se a cada flashback você pudesse entender algum detalhe do passado que mudasse sua impressão do presente, o que infelizmente não acontece. Na maioria do tempo o espectador é levado lá para trás simplesmente para acrescentar um pouco de dramaticidade a esse suspense, algo quase sensorial, já que muitas vezes tudo vem fragmentado e onírico.
Não que isso atrapalhe o resultado geral, até porque o diretor parece obcecado por criar elipses interessantíssimas que te jogam diretamente para o passado sem a necessidade de um corte. Nesse caso, por passar por mudança de espaço ou tempo, Hodara enche seu filme com pequenos e sutis planos sequências que não precisam impressionar, mas têm uma razão estética interessante e cheia de estilo.
Afinal, em Neve Negra, o passado ainda está ali, na mágoa de Salvador por ter sido renegado pela família depois do acidente e por ter vivido com o peso disso por todos esses anos, o que criou alguém quase selvagem. Darín dá conta disso de modo simples e seu personagem em pouco tempo se torna o mais interessante do filme. Não pela importância, mas sim pela sua presença marcante e um olhar quase violento.
E falando em olhar, Neve Negra aos poucos se transforma em um suspense sobre olhares e Hodara carrega isso por algumas situações chaves da trama. Valorizando momentos em que personagens veem algo que pode mudar tudo ao redor. Laura vê a solução de seus problemas no porta luvas, mas algum tempo depois descobre que aquilo que foi visto não pode nunca mais ser ¿desvisto¿, e que os pecados do passado e os segredos se misturam diante de uma troca de olhares. E quando Hodara termina seu filme encarando o olhar dela, mostra o quanto esses segredos podem ser deixados no passado, já que esse é o único momento do futuro existir.
Hodara cria então um filme complexo mesmo dentro de sua simplicidade. Que pode se prejudicar um pouco por criar uma expectativa muito alta de uma reviravolta final, o que acontece, mas ela não vai explodir o cérebro de ninguém. Ao mesmo tempo, o que Neve Negra faz com essa surpresa o torne algo diferente, cruel pesado indigesto, o final perfeito para um filme tenso, pesado e que não é o ¿Maior Filme Argentino do Ano¿, mas desde já é um dos bons filmes que você verá no ano.
“Nieve Negra” (Arg/Esp, 2017), escrito por Leonel D´Agostino e Martin Hodara, dirigido por Martin Hodara, com Leonardo Sbaraglia, Laia Costa, Ricardo Darín, Mikel Iglesias, Biel Montoro e Federico Luppi.