Nós, Eles e Eu Filme

Nós, Eles e Eu | Documentário argentino procura isenção em conflito que não permite isso

Um documentário não é obrigado a destilar sua opinião para todos os lados, mas no caso de Nós, Eles e Eu, um filme feito por um diretor judeu e membro de uma família sionista, a opinião sobre o eterno conflito entre judeus e palestinos parece inevitável.

O mais curioso do filme, então, é que não vemos muita opinião. Pelo menos não a do filme, mas a nossa. Munidos de nossos preconceitos, qualquer novo acontecimento será interpretado com o viés de estar assistindo a “conteúdo judeu”. Ledo e divertido engano. Estamos tão acostumados com visões parciais do conflito que não encontrá-las, ainda mais em um documentário pessoal, soa estranho.

O diretor, Nicolás Avruj, de família Argentina, passou um tempo vagando pelas terras israelenses e árabes, nunca revelando sua origem. Ele passa um tempo na faixa de Gaaza, nos arredores de Tel Aviv e em regiões onde a situação das pessoas nunca é de segurança. O mais fascinante de sua história contada em registros é ver que há diferentes pontos de vista. Dessa forma, chegamos a ouvir da boca de um palestino que ele ama a guerra, e que seus filhos deverão continuar os conflitos. Ele fala isso de forma natural pois passou toda sua vida nessa realidade. Para ele, é algo tão comum quanto fazer parte de uma torcida organizada, e onde não escolher um dos lados é impensável.

De certa forma, é mais ou menos assim que ambos os lados se sentem. Todos parecem ter um bom motivo para defender seu lado, ignorando que já fazem parte dele antes mesmo de terem opinião. Com exceção, claro, dos poucos com lucidez o suficiente para enxergar que tudo aquilo é loucura e que ninguém vive bem em um ambiente desses, vitorioso ou perdedor.

Contando uma história como retrospectiva, sendo que Avruj narra sua viagem feita 15 anos atrás, o recorte de momentos é sempre ágil, mesmo que na maioria das vezes contenha pessoas dando seu testemunho. O que gera a tensão é ele, por exemplo, estar entre palestinos com opiniões radicais, falando que judeus são covardes. Ele havia inicialmente combinado consigo mesmo não revelar sua origem judaica, exceto se lhe perguntarem. Porém, são exatamente esses momentos de tensão o fazem mudar de ideia: não irá revelar sua origem mesmo se lhe perguntarem.

Nós, Eu e Eles Crítica

Até onde vai a loucura gerada pela péssima decisão balizada pela ONU quase 60 anos atrás? O que existia antes? O filme não se importa muito em responder essa questão. Um senhor, já bem idoso, sim. E confirma: as pessoas viviam bem antes da chegada do Estado de Israel, sendo que já existiam muitos judeus morando na região. Hoje parece inadmissível algo mais que natural: pessoas vivendo em paz (porque isso é benéfico para todos, observa uma judia que frequenta uma casa de colonos palestinos).

Em não tentar nunca responder perguntas, e na maioria dos momentos evitar o conflito de ideias, mas apenas apresentá-las em uma cadência que deixa claro “de que lado se torce”, Nós, Eles e Eu, em sua isenção, acaba aos poucos se tornando a figura cada vez mais comum e ignorante do cenário político brasileiro: o “isentão”. Em tentar não tomar partido, não só acaba tomando, como podemo notar pelo inevitável sionismo da origem do diretor, como tenta negá-lo a todo momento, soando hipócrita ou na melhor das hipóteses, inútil.

O mais curioso é que, ao negar suas origens e seus argumentos, na ponta da língua (ou da lente da câmera), é nisso que se transforma uma opinião quando esta tenta ser imparcial, isenta, neutra. Inconscientemente o negócio vira uma das aberrações do (outro) sionista Amos Gitai, como em Carmel (embora não tão horrivelmente executado). Não que isso seja culpa do diretor. Sua visão pode ser pura e ingênua como os colonos da periferia de Gaza. Se desprovido de exercício intelectual e argumentativo, vira um desses trabalhos de escola relativista, que não exprime opinião por ter medo de levar nota baixa. Talvez essa seja a guerra do medo do mundo civilizado: o que você disser e não disser será usado contra você. Ainda mais se você for um sionista covarde.


“NEY: Nosotros, ellos y yo” (Arge/Isr/Pal, 2015), escrito por Nicolás Avruj, Alejandro Dujovne, Andrea Kleinman, dirigido por Nicolás Avruj, com Nur Al Levi, Frieda Geffner, Abu Harbed, Sebastián Muller, Iosef Shai


Trailer – Nós, Eles e Eu

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