[dropcap]E[/dropcap]xiste alguma coisa nos filmes de terror australianos que nos faz sempre encontrar algo interessante em suas histórias, mesmo quando ela não é tão empolgante quanto a desse O Acampamento, que chegou aos cinemas do Brasil meio escondido, mas deve ter agradado quem procurava algo diferente no gênero.
E essa “alguma coisa” talvez seja um modo sádico com que seus cineastas tratam seus personagens, sejam os protagonistas, vítimas ou assassinos. Principalmente o últimos exemplos, já que enquanto no resto do mundo o cinema de terror tenta entender seu vilões e procurar suas razões em famílias disfuncionais, canibais ou alguma trauma qualquer, quando você pisa na Austrália, parece que eles matam os turistas descuidados por puro prazer.
O próprio Max ainda está procurando um mundo onde se encaixar graças única e exclusivamente porque um cara resolveu estuprar e matar sua família inteira em um lugar qualquer da Austrália.
Mas voltando ao O Acampamento e tentando não entrar no terreno dos spoilers, o filme mostra um casal que decide passar o Ano Novo acampando em um rio perto de uma cachoeira. Porém, nenhum dos dois importa mesmo, já que o que se desenrola é… bom… a morte de um monte de gente (e mais que isso, só com spoilers… como eu sutilmente farei daqui em diante!).
E talvez o maior problema do filme seja realmente esse, como tudo parece ser uma surpresa, qualquer passo que o roteiro dá é como se estivesse desvendando um segredo que talvez você não quisesse saber para que sua diversão fosse maior no que vem a diante. E isso fica pior ainda quando o roteiro decide desenvolver uma segunda timeline sobre um outro grupo que estava acampando no mesmo lugar.
O problema é que em pouco tempo O Acampamento também decide mostrar “a vida” dos óbvios vilões, o que deixa claro onde o filme vai chegar em questão de tempo. E isso é ruim? Por um lado, sim, por outro, cria um suspense interessante, já que é inevitável a tragédia que está por vir.
O Acampamento é escrito e dirigido por Damien Power, então tanto a culpa tanto pelos escorregões iniciais que deixam o filme ser pouco interessante até sua metade, quanto a força com que ele é carregado para o final, são dele.
O que vem nessa segunda metade é violento e até um pouquinho perturbador, já que quem entra em cena é aquele tipo de vilão que eu citei no primeiro parágrafo. Sem motivação a não ser sexo, violência algum tipo de prazer em infligir dor física e psicológica em suas vítimas. E ainda que Power decida não ser visual nesses momentos, acerta em cheio como quando deixa o corpo estuprado de uma jovem jogado em um canto ou com a desconcertante figura do bebê correndo aos prantos pela floresta (em um momento visualmente inteligente ele coloca esse mesmo bebê perambulando no fundo de uma cena e o efeito é devastador).
E falando em “devastador”, Power ainda parece ter em mente desde o começo dois pontos importantes do final de O Acampamento, que não são movidos por tiros, perseguições ou nada visual, somente aquele sentimento de realmente seus personagens não serão nunca mais os mesmos depois do que aconteceu. E isso formando cicatrizes muito maiores e mais profundas do que aquelas que os vilões deixam neles.
Talvez ai esteja o grande “ás na manga” de O Acampamento, conseguir fazer com que seu espectador se divirta com a tensão e com a violência, mas sobre tudo isso, saia do filme pensando nele e até tentando imaginar o que faria em uma situação daquelas.
“Killing Ground” (AU, 2016), escrito e dirigido por Damien Power, com Aaron Pederson, Ian Meadows, Harriet Dyer, Aaron Glenane, Maya Stange, Julian Garner e Tiarne Coupland