[dropcap]A[/dropcap]inda que François Ozon possa ser considerado um dos grandes diretores do cinema atual na França, seus projetos quase sempre transitam naquele lugar onde tudo pode se tornar esquisito. Na maioria das vezes isso é ótimo, em algumas, como em O Amante Duplo, o resultado é só desperdício.
O primeiro desperdício é o estético, na vontade intransponível de criar um filme cheio de composições poderosas e até um choque visual. Ozon permite que isso seja mais importante que todo o resto. O primeiro plano com um corte de cabelo poderia ser maravilhoso se não fosse praticamente intransponível pelo entendimento de qualquer espectador.
Esse preciosismo ainda lhe permite que o exame íntimo na protagonista faça sua vagina se transformar em seu olho em uma fusão que beira o hermético e pouco combina com o resto da experiência. O choque visual desses dois primeiros momentos de O Amante Duplo é quase esquecido no resto do filme, muito mais corriqueiro e que aposta até em um cinema prático, porém funcional e cheio de significados simplistas perto dessa primeira impressão.
Sua câmera escolhe bem onde se colocar, seja na direita ou na esquerda da personagem, procurando um reflexo que dita o assunto central do filme ou se permitindo colocar a personagem no museu onde trabalha como parte do cenário ou entrelaçada pelos troncos de uma árvore como se ela própria não entendesse o que é real ou não em sua vida.
E nesse ponto, Ozon, que também escreve o roteiro a partir do livro de Joyce Carol Oates, vai em direção a uma conclusão que coloca em prova boa parte de seu filme e daquilo que o espectador viu. Enquanto sobra complexidade, falta uma construção narrativa com dicas suficientes para que a procura por esse real não seja uma grande chatice com pouco sentido. E pior, tudo isso embaralhado, tanto por uma trama, quanto por uma finalização que se permitem ser melodramáticas demais.
A trama mostra Chloé (Marine Vatch), uma jovem que parece perdida em sua vida, vinda de uma pequena carreira como modelo e uma dor constante na barriga. Chloé decide procurar um psiquiatra, Paul (Jérémie Renier), uma relação que sai do divã e logo se transforma em um namoro. O problema é que, meses depois, ela acaba procurando um novo psiquiatra e esse caminho a coloca no consultório, justamente, do irmão gêmeo escondido de seu namorado. O que a deixa pendendo entre o desejo e a complexidade dessa relação a três.
É lógico que ele ser um “gêmeo escondido” a leva por um passado misterioso e uma série de situações onde o delírio e a realidade a levam a uma descoberta que só não tinha sido descoberta até agora porque ela nunca tinha ido a um médico decente em toda sua vida. E isso fica óbvio quando no meio do filme alguém começa a falar em “gêmeo parasita”.
De qualquer jeito, O Amante Duplo é um filme que prende a atenção pela estética que parece complexa e o olhar vazio dessa personagem perdida nas suas próprias verdades. Um rebuscado visual que cria a expectativa de uma trama minimamente surpreendente ao invés apenas um caminho rocambolesco e que roda e roda como em uma escadaria em caracol, mas parece não chegar a lugar nenhum.
Um grande diretor que permite que sua sensibilidade, elegância e sofisticação atrapalhem sua capacidade de contar uma história que não seja apenas uma bagunça melodramática e monótono.
“L´amant Double” (Fra/Bel, 2018), escrito e dirigido por François Ozon, com Marine Vacth, Jérémie Renier e Jacqueline Bisset