O Bom Gigante Amigo é um filme de criança baseado em um livro para crianças. Produzido pela Disney e dirigido por Steven Spielberg, deveria ser o ápice da pureza e inocência, mas parece trazer uma forte carga política em sua mensagem, acidental ou não. Pode ser impressão de uma história fraca e sem muito sentido, mas só por sugerir uma relação entre sua lúdica história e a história da Europa contemporânea é digno de nota.
A história começa com a pequena Sofia (Ruby Barnhill), uma menina que mora em um orfanato em Londres e tem insônia. Em uma das noites que era a única acordada, viu um velhinho agigantado, da altura de um prédio de três andares, da janela de seu quarto coletivo. Ele a sequestra para que ela não espalhe sua existência, e a leva para a Terra dos Gigantes, onde descobre que, além de bonzinho e vegetariano, ele está cercado de outros gigantes, maiores, malvados e carnívoros (ou canibais, se você considerar que seres humanos são parentes de gigantes).
Concebido como uma fábula infantil pelo livro de Roald Dahl, é fascinante observar a perfeição estética das rugas, das feições, dos cabelos e dos movimentos do gigante-herói, apelidado de BGA (Bom Gigante Amigo). A fotografia de Janusz Kaminski, colaborador habitual de Spielberg, denota um amarelo que soa onírico, com direito de aprimorar as texturas da direção de arte que deixam o aspecto do filme muito próximo de um livro ilustrado. Tanto a Terra dos Gigantes quanto Londres conseguem fazer parte do cenário que abriga este ser maravilhoso sem soar deslocado.
Para melhorar ainda mais a aproximação com contos infantis, a dublagem de Mark Rylance (atual ganhador do Oscar por Ponte dos Espiões), que faz o Gigante Amigo, embola sua voz e faz os erros de fala da criatura ritmar com seus movimentos lentos e desajeitados, algo que se perde na versão dublada, que floreia demais o vocabulário do gigante e desmerece todo o cuidado empregado pelo ator. Ruby Barnhill, por sua vez, tem pouco a acrescentar a Sofia, que é uma criança genérica quase sem nenhum passado ou particularidade.
O que nos leva ao pior do filme: sua história. Iniciando com relativo interesse, o roteiro de Melissa Mathison (E.T. – O Extraterrestre) não consegue ganhar força em nenhum momento, pois se limita a descrever aquele mundo como um passeio quase que inofensivo a um dos parques da Disney (se há algum perigo, ele parece planejado demais). Quando é necessária alguma ação, ela acontece pelos motivos errados. Só para citar o erro mais óbvio da trama: se para BGA a motivação em sequestrar Sofia era nunca ser visto, isso vai por água abaixo por muito pouco, já que nunca compramos a automática relação de amizade e confiança entre os dois. A não ser, é claro, que apenas o fato de usar as mesmas roupas de um antigo amigo do gigante (possivelmente a criança do livro original) seja prova de autenticidade. Paradoxalmente, parece exatamente o contrário.
E se a trama principal soa preguiçosa e deselegante – principalmente por ensinar às crianças que mentir para conseguir o uso da força ao seu favor é OK – os detalhes são igualmente jogados à conveniência do roteiro. Em dado momento, aprendemos como os sonhos são armazenados por BGA; em outro, magicamente e garota já sabe que é possível combinar diferentes sonhos. Isso sem contar o completo disparate de um quadro da rainha da Inglaterra ser o suficiente para mobilizar toda uma cadeia de ideias.
Porém, o pior mesmo é a “solução” apresentada pelo filme para os gigantes maus e selvagens. Mesmo vivendo na Terra de Gigantes e nunca haver qualquer menção de que eles atacariam Londres, apenas o risco de fazê-lo desencadeia um poderio militar que invade a terra mágica e define o destino daquelas criaturas para sempre. Não é possível saber com certeza se isso tem pouco ou muito a ver com a crescente onda xenofóbica na Europa decorrente da imigração desenfreada, mas fica difícil não relacionar dois atos insensatos relacionados com um povo estranho e “selvagem”.
Sem conseguir contar qualquer história, mas ao mesmo tempo conseguindo entreter crianças e adultos pela simples arte de contar acontecimentos, O Bom Gigante Amigo é um filme de crianças que serve para adultos com mente de criança. Isso não seria preocupante se fosse uma péssima educação para os pequeninos, que aprendem desde já a resolver seus conflitos no punho.
“The BFG” (RU/Can/EUA, 2016), escrito por Melissa Mathison, Roald Dahl, dirigido por Steven Spielberg, com Mark Rylance, Ruby Barnhill, Penelope Wilton, Jemaine Clement, Rebecca Hall