É incrível como Gavin O´Connor é um cineasta que valoriza seus próprios trabalhos. Não em termos de publicidade, mas sim de tirar de suas histórias aquele “a mais” que arranca elas do comum e as colocam em um patamar mais elevado. O Caminho de Volta (“The Way Back”), poderia ser só um filme sobre basquete, mas é um pouco mais que isso.
O filme acompanha Jack (Ben Affleck) um personagem com todas as características possíveis daquele “loser clássico trágico” americano. O bonitão que foi um astro do time de basquete da escola, mas que após o sucesso algo deu errado entre o diploma e o gole profundo de cerveja enquanto está tomando banho.
Na verdade, o roteiro de Brad Ingelsby (que também escreveu o fantástico Tudo por Justiça), de modo extremamente objetivo vai ainda mais fundo. Nada na vida de Jack parece estar funcionando do jeito que ele gostaria ou imaginaria e o alcoolismo é apenas um reflexo desse desespero. A “objetividade” da história vem com a essa impressão de que em dez minutos do filme você acha ter certeza absoluta de tudo que irá acontecer no filme. O que, mais ou menos, até é uma verdade.
Jack é convidado para treinar o antigo time da escola onde jogou, com um grupo de jovens jogadores que representam a real incapacidade de vencerem um jogo, ou nem ao menos perder que não seja por uma “lavada”. De qualquer jeito, O Caminho de Volta poderia ser um filme sobresse time de basquete, seu novo treinador e um caminho de vitórias onde os jogadores se descobrem astros. Até é também… mais ou menos.
O Caminho de Volta é sobre essas pessoas. Sobre isso não há dúvidas, mas O´Connor quer mesmo é fazer um filme sobre essas pessoas, mas as versões reais delas, não aquelas que o cinema gostaria de mostrar. Seu tom é triste, sua câmera é mexida e nada tem o pragmatismo que os holofotes de Hollywood adoram. Ainda é uma boa e velha história de superação, mas sabendo que não existe superação melhor do que aquele onde a pessoa precisa seguir em frente e deixar o passado para trás.
Aquela impressão de que você sabe tudo que vai acontecer no filme, mas aos poucos essa impressão vai sutilmente dando espaço a sensação de que você, talvez, não quisesse ver mais tão de perto essas pessoas. Mas nunca uma experiência pesada, pelo contrário, um caminho em direção a uma situação onde se torna insuportável estar na pele, tanto do time, quanto do protagonista, sem que nada seja feito e uma reviravolta aconteça. Ela acontece, mas é algo sutil.
É essa sutileza que parece mais atrair O´Connor, essa humanização de seus personagens, esse clima real onde nada é tão simples assim. Até aquelas certezas que você tinha de Jack caem por terra e você descobre se tratar de alguém com uma dor dilacerante e uma razão crível para seguir por esse lugar escuro.
Um filme que acaba se mostrando extremamente sensível e universal no maior sentido possível da expressão. Em certo momento, durante um momento crucial da partida, não existe nenhum cuidado em fazer com que o monte de termos que só fazem sentido para os fãs de basquete faça sentido e sejam entendidos por todos, nada importa, o que importa é a emoção e o sentimento. É o espectador saber da responsabilidade da última cesta e da classificação. Do que aquilo representa. Todo mundo entende os problemas dos personagens, não é preciso bater em teclas cansadas dos estereótipos do cinema e seus filmes de redenção. O´Connor parece querer mais que isso.
Essa verdade poderosa é o que move O Caminho de Volta, e ela combina perfeitamente bem com o ótimo trabalho de Ben Affleck. Sem pegar atalhos ou apostar nos clichês do “alcoólatra padrão”, Affleck constrói um personagem triste e duro de observar, mas ao mesmo tempo que ganha uma força enorme na beira da quadra, onde pode esquecer toda aquela dor e voltar a ser aquele cara naquela época onde tudo dava certo e seu nome era gritado pela torcida. Sem muitas possibilidades de personagens tão complexos e poderosos em sua carreira, talvez Affleck, com O´Connor, consiga fazer um de seus trabalhos mais interessantes.
Talvez O Caminho de Volta seja até apenas mais um filme de basquete com um time ruim que vira vencedor e um treinador que descobre que pode enfrentar seus fantasmas. Talvez seja até igual a mais um monte de outros, mas com certeza é um exemplo de uma velha história com um algo a mais. Talvez uma verdade que nem sempre está nesse tipo de filme, uma emoção poderosa que mostra que até os filmes mais comuns podem ter algo que os coloca na prateleira dos imperdíveis.
“The Way Back” (EUA, 2020); escrito por Brad Ingelsby; dirigido por Gavin O´Connor; com Ben Affleck, Al Madrigal, Janina Gavankar, Brandon Wilson, Will Rapp, Melvin Gregg, Michaela Watkins