O cinema as vezes é um bichinho estranho para quem trabalha com ele. Uma única obra e você pode se tornar o novo astro do momento, um único flop e sua carreira pode acabar imediatamente. Como se isso já não fosse injusto o bastante, ainda é preciso lembrar que um filme ser considerado um desastre vem da percepção do público em geral e não de uma avaliação mais objetiva.
Nas duas faces dessa moeda se encontram os irmãos Wachowski. Responsáveis pelo excelente Ligadas pelo Desejo em 1996, a dupla se tornou a nova sensação de Hollywood em 1999 quando levaram aos cinemas seu – agora jovem clássico – Matrix. Mas o amor pelos irmãos duraria pouco. As recepções terríveis – e injustas – das sequências de sua obra-prima de ficção-científica imediatamente transformaram os Wachowski em párias do cinema americano (embora financeiramente os filmes ainda tenham dado lucro). E a consequência disso pode ser vista na igualmente injusta reação do público ao seu altamente estilizado Speed Racer, que marcaria o ano de 2008 como sendo um dos maiores prejuízos do ano. Assim, com o primeiro fracasso de bilheteria no currículo, os irmãos foram atrás de uma empreitada bem mais alternativa e distante do grande público.
O resultado, A Viagem, então surpreendeu parte da crítica especializada, se tornando um dos filmes mais divisores de opiniões com seu elaborado trabalho de edição e montagem. Ainda assim, o público não se animou em apostar novamente na dupla de diretores de Chicago e, mais uma vez, eles viram seu filhote entrar para a lista de fracassos do ano.
Três anos depois, agora em 2015, vemos os Wachowski novamente buscando atingir o grande público com seu O Destino de Júpiter…e novamente falhando em uma produção que já tem garantido, mais uma vez, sua posição entre os maiores desastres de bilheteria do ano. A diferença desta vez? O fracasso é mais do que merecido.
Colocando todo seu lado megalomaníaco na construção da história, os irmãos criam um universo, de fato, rico e fantástico, em uma mistura visual de Star Wars com O Mágico de Oz. O longa ainda conta com as sempre inventivas cenas de ação, perseguição e lutas que os Wachowski sabem fazer como ninguém. Mas isso, infelizmente, é tudo que podemos falar de bom desta obra. Então vamos à lista de problemas.
Em primeiro lugar, até mesmo o visual fantástico concebido pela dupla é mal construído na tela por contar com figurinos insuficientemente diversificados e pouco imaginativos. Já a explosão de cores explorada nas cenas fora da Terra perde impacto devido às tomadas que se passam aqui também apresentarem cores fortes e chamativas. A sensação seria muito mais marcante se a paleta usada nas cenas filmadas em Chicago fosse mais fria, idealmente tendendo ao cinza.
Ainda mais inexplicável é o fato de sermos apresentados às cidades futuristas logo nos primeiros minutos de projeção, tirando qualquer surpresa que pudesse ser construída com uma apresentação mais adiante na projeção. Seria como se em Matrix víssemos Zion e a cidade das Máquina nos primeiros minutos de filme. Lembre-se do impacto de vê-las pela primeira vez e como isso foi construído através da criação de expectativa, já que só as vemos, respectivamente, no segundo e terceiro filmes.
E essa questão de “mostrar demais e muito rápido” é central aos problemas vistos em O Destino de Júpiter. Desde a apresentação corrida dos personagens centrais – que são terrivelmente mal desenvolvidos pelo roteiro com um sem número de diálogos expositivos – passando pelo incompreensível desejo de criar um universo gigantesco com inúmeros planetas, raças, tramas e sub-tramas em um único filme de 127 minutos. E pior, querendo fechar todas essas histórias e sub-histórias ainda dentro destas pouco mais de duas horas de projeção, O Destino de Júpiter acaba se transformando em uma colcha de retalhos de boas ideias que foram mal amarradas e mal executadas, dando a sensação ao espectador de estar saltando de uma cena para outra sem que haja conexão alguma entre elas.
O roteiro pedestre abundante em personagens vazios é uma clara consequência de quem quer fazer demais em pouco tempo. E as melhores comparações que vêm à mente não poderiam deixar de ser algumas das piores porcarias criadas por Hollywood nas últimas décadas, como A Batalha de Riddick (2004) e A Reconquista (2000). Note como Júpiter tem muito em comum com esses fiascos. Riddick é a continuação de um filme de baixo custo com trama simples – à la Alien – querendo transformar a série em uma saga ao estilo Star Wars, enquanto A Reconquista é uma adaptação de um complexo livro clássico da ficção-científica de mais de 1000 páginas em um roteiro de menos de 2 horas. Só para comparar, O Senhor dos Anéis tem aproximadamente o mesmo número de páginas, mas sua adaptação para o cinema conta com mais de 6 horas de duração.
Tudo isso remete ao básico do que é contar histórias (nem falo aqui de cinema apenas). Sem personagens com os quais nos identifiquemos e/ou importemos e sem uma trama que nos envolva com o que está acontecendo, nenhuma história funciona. E Júpiter entrará, infelizmente, para a lista de exemplos do que não fazer para quem quiser saber mais sobre cinema.
Ainda é preciso ressaltar que até o universo criado no filme – auto-proclamado pelos Wachowski como algo novo, inovador e que poucos cineastas se esforçam para fazer coisa parecida hoje em dia – mostra-se extremamente derivativo. As referências (que em Matrix eram bem menos evidentes e que, na época, já geraram inúmeras discussões) aqui são mais que evidentes. Entre as claras inspirações estão Duna, A Bela e a Fera, Cinderela e, obviamente, Star Wars.
O pouco que, de fato, há de diferente é tão pouco explorado e fica tão perdido nesse mar de cultura pop que ao final da projeção a maioria nem sequer perceberá o por quê a protagonista se chama Júpiter ou se isso tem qualquer importância no filme.
Para finalizar, até mesmo as gags do longa não funciona criando uma das sensações mais terríveis de quando se está no cinema: quando você vê que acabou de acontecer uma piada na tela, mas ninguém está rindo. Mostrando o quanto o timing do filme está errado em todos as aspectos possíveis.
E é realmente de se considerar que, apesar dos problemas com a bilheteria, a legião de fãs dos irmãos Wachowski tenha os levado a crer serem mais do que realmente são. Na última cena, quando um personagem recupera suas asas podemos ver uma clara auto-referência a um outro longa feito pela dupla. Se auto-referências já são por definição, quase sempre, de mau gosto, colocar uma em algo que já está transbordando de referências, inspirações, alusões e influências é, de fato, a cereja deste bolo que passou da validade. E se os Wachowski esperam que o público reconheça o incrível trabalho feito por eles aqui, talvez seja bom alguém ir os preparando para um outro tipo de reconhecimento que virá em fevereiro do ano que vem. Dica: Tem ouro no nome. Assim como framboesa.
Ficha técnica
“Jupiter Ascending” escrito e dirigido por Lana e Andy Wachowski, com Channing Tatum, Mila Kunis, Eddie Redmayne, Sean Bean e Douglas Booth