Em 2007, Joe Wright já tinha passado por Dunquerque em um estonteante plano sequência que acompanha um ainda jovem James McAvoy em meio à falta de esperança das forças armadas inglesas na costa da França em Desejo e Reparação. Agora, em O Destino de Uma Nação, o diretor inglês vai até o outro lado… ainda que, convenhamos, todo mundo vai ver o filme só por causa do Gary Oldman.
Mas vamos fingir que ele não é a grande atração da produção e nem vai ganhar todos os prêmios que concorrer no ano. Vamos perder um tempo falando do incrível trabalho de Wright antes que todo o resto do texto seja sobre o irreconhecível Oldman por trás desse incrível Winston Churchill.
E isso, porque Wright faz um trabalho espetacular. Talvez até o momento em sua carreira onde consegue melhor criar um filme visualmente poderoso do começo ao fim. Afinal, até nos pequenos e mais possivelmente sem graça diálogos, Oldman está lá para salvar.
No filme… Oldman (impossível fugir dele) é Wintons Churchill em seus primeiros dias como Primeiro Ministro da Inglaterra. Soterrado pela falta de credibilidade e às voltas com um fracasso militar tão grande que poderia não só significar a derrota de seu país da Segunda Guerra Mundial, como ainda a dizimação de todas suas tropas (em Dunquerque, aquela mesma do Dunkirk de Christopher Nolan).
O que se vê à seguir é a força desse personagem riquíssimo, que sim, ganhou a Segunda Guerra Mundial. E isso, para muitos, à custa de como elevou a moral de seu país. Tudo bem, a União Soviética e a Rússia tiveram seu papel importante, mas é Churchill quem, como um dos personagens lembra em certo momento do filme, é a pessoa mais temida por Hitler.
E tanto o roteiro de Anthony McCarten (que recentemente escreveu A Teoria de Tudo), quanto a direção de Wright buscam não esse mito, mas sim o ser humano perdido diante do peso do mundo em suas costas.
Por várias vezes, Wright busca esse Churchill sozinho, humano, falho e até cercado apenas pela escuridão, para mostrar o quanto aquele homem temido e gigantesco em seus discursos, era pequeno e dolorido. Nunca no mal sentido, mas sim no quanto uma responsabilidade tão grande faz com que qualquer um se apequene diante de suas decisões. Um deslize pode resultar em milhares de mortes, assim como uma decisão acertada pode ter o mesmo efeito.
Em certo momento, a câmera de Wright, em um plongee poderoso, deixa um oficial em meio a um monte de feridos lendo uma mensagem de seu superior, para subir até as nuvens e mostrar o quão pequeno aquelas pessoas são diante daquela guerra. Mas ancora a impressão de que, por menores que sejam, ainda assim são humanos.
O que talvez leve diretamente ao trabalho do diretor de fotografia Anthony Delbonnel (de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain e Inside Llewyn Davis, por exemplo), sempre em busca quase desse quadro onde esse monte de gente em seus ternos impecáveis decidem o destino dessa nação. Grandes janelas projetam feixes de luz que parecem cortar a escuridão, como se lembrassem de todos dessa esperança, mas curiosamente, quase nunca elas iluminam diretamente seus personagens. Como se os afastasse ainda mais dessa guerra de verdade.
Até o próprio Churchill, mesmo quando é apresentado, depois de uma introdução divertida e que costura toda sua personalidade, não é visto pela luz direta, mas sim pelo fogo do fósforo de seu ¿charuto de café da manhã¿. Até mesmo quando ele encontra com o Rei George, transpor aquela luz que corta o ambiente parece ser algo proibido.
O que nos leva a Gary Oldman sem nem bem um gancho suficientemente interessante para o resto do texto, e isso, principalmente, pois sua atuação não precisa de desculpas para ser celebrada.
Mas e óbvio também que olhar para aquela figura e não ver o ator é em grande parte responsabilidade da equipe de maquiagem em um trabalho estonteante e que vai ser lembrado ainda por muito tempo, mas do momento que Churchill abre a boca, é fácil perceber o complexo trabalho de Oldman, ou melhor, do próprio Primeiro Ministro, já que é possível até acreditar que Oldman não está por ali.
Seu trabalho vocal é preciso, seus gestos são sutilmente poderosos e seu olhar é de uma humanidade que deixa expor uma insegurança que fará todos no cinema se apaixonarem pelo personagem. E a segurança tanto com o trabalho da maquiagem, quanto com a caracterização de Oldman é tão grande que Wright se perde em closes tão próximos que te fazem realmente colocar em prova se aquilo é mesmo só resultado de maquiagem e atuação.
Infelizmente para o resto do elenco, ficar perto de Oldman é o mesmo que sumir, e por mais que gente como Kristin Scott Thomas, Stephen Dillane e Lily James tentem, são facilmente esquecidos. A exceção fica, justamente, com o Rei George VI de Ben Mendelsohn, que tem três cenas com Oldman e em todas elas exala perfeitamente a impressão de superioridade que um Rei deve ter, o que, combinado com a insegurança de Churchill, cria sempre um contraste que torna essas cenas algumas das melhores do filme.
E O Destino de Uma Nação só não é filme maior ainda, pois tem pouco material em sua mão que já não tenha sido mais que esfregado na cara de todos, principalmente dos interessados pelo assunto. O que o faz em certos momentos ele até se perder em uma trama empolada e mais cheia de detalhes do que de conclusões e motivações.
Mas realmente isso não importa, todo mundo vai correr para o cinema para ver Gary Oldman mesmo.
¿Darkest Hour¿ (RU, 2016), escrito por Anthony McCarten, dirigido por Joe Wright, com Gary Oldman, Kristin Scott Thomas, Bem Mendelsohn, Lily James, Ronald Pickup e Stephen Dillane.