Investindo na atmosfera e criando tensão constante, o diretor Mike Flanagan consegue criar sequências e momentos realmente assustadores, ao invés de contar com sustos artificiais e previsíveis. Mesmo tropeçando em seu final, O Espelho é um bem-vindo exemplar do gênero, contando uma história que não é novidade de uma maneira interessante e eficiente.
O roteiro, assinado por Flanagan ao lado de Jeff Howard e adaptado de um curta-metragem do diretor, acompanha uma família em crise e as consequências enfrentadas pelos irmãos Kaylie e Tim. Quando o pai enfim perde o controle e assassina a esposa e encontra-se prestes a atacar também os filhos, Tim mata-o com um tiro e é internado em uma clínica psquiátrica. Onze anos depois, ele é considerado apto a reintegrar a sociedade e, então, reencontra a irmã Kaylie – que acabou de tomar posse do espelho que ela considera ter sido responsável pela tragédia que abateu a família.
Os dois, assim, decidem passar a noite na antiga casa da família equipados por câmeras e outros aparelhos com o objetivo de detectar e documentar a presença do sobrenatural. Isso possibilita, também, que o roteiro nos apresente ao suposto espírito do espelho e o que ele faz de forma natural, sem recorrer a diálogos expositivos artificais ou a uma narração logo abandonada. O mais interessante, porém, é a forma como vamos gradualmente descobrindo novas informações, de forma orgânica e ocasionada pelo aumento da compreensão dos fatos e do mergulho cada vez mais fundo dos irmãos no mistério – e não simplesmente com o intuito de criar reviravoltas.
Da mesma forma, a excelente montagem feita pelo próprio diretor mistura de modo fascinante o passado da família, antes e durante a fatídica noite, e o presente. Enquanto os irmãos revisitam seu passado e descobrem que nem tudo aconteceu exatamente como eles recordam, percebemos que O Espelho, além de assustar, retrata o trauma e os efeitos que os problemas de seus pais tiveram nas crianças. Vividos com eficiência pelos atores nos dois períodos de tempo, as crianças Annalise Basso e Garrett Ryan transmitem bem o pânico e crescente coragem de Kaylie e Tim ao enfrentar aquilo que não compreendem, enquanto Karen Gillan (da série Doctor Who e que em breve será vista em Guardiões da Galáxia) faz da versão adulta da personagem uma mulher dotada de uma determinação que assusta em seu desespero, enquanto o Tim de Brenton Thwaites, mais do que desvendar o mistério, busca principalmente poder viver novamente com alguma tranquilidade.
Assim, enquanto de início as cenas do passado surgem como flashbacks retratando as memórias dos protagonistas, isso vai se tornando mais complexo – mérito da montagem -, e logo as conversas dos dois vão lançando nova luz sobre o que realmente aconteceu e, em alguns momentos, alguma das crianças até mesmo interage com a versão adulta do outro. Tudo para destacar como a percepção de um deles, ou dos dois, pode ser distante das memórias, e retratando como aquela noite impactou a vida inteira dos sobreviventes.
Mas não é só na montagem que Flanagan se mostra competente: sua direção mostra-se eficaz para o gênero, ao lado da fotografia, consegue transformar a bela e espaçosa casa da família em um ambiente opressor – o que, é claro, acontece conforme a narrativa avança noite e madrugada adentro. Utilizando composições fechadas que sugerem os horrores que espreitam logo adiante e criando um clima claustrofóbico com personagens no canto do quadro, a direção funciona porque utiliza estes recursos para acentuar elementos presentes na narrativa.
Falhando ao estabelecer regras para seu universo apenas para logo em seguida descobrirmos que elas não realmente existem (como o fato de que as câmeras supostamente não podem ser enganadas ou a “área de influência” do espelho), os realizadores pecam, também, por preferirem investir em uma conclusão que deixa abertura para possíveis sequências e não para um verdadeiro final (fechado ou aberto) para a história de Kaylie e Tim, cujo relacionamento é, afinal, a força deste longa. Fazendo com que o espectador importe-se com personagens e com o destino deles, O Espelho torna-se um filme realmente assustador, pois, não apenas ansioso com o que está prestes a acontecer, há também a preocupação por aquelas pessoas.
O Espelho, portanto, tem seus problemas que, apesar de diminuirem a força do que vimos até então, não destroem o filme, um eficiente e bem vindo exemplar de seu gênero. É uma pena, portanto, que uma obra realmente bem feita como está, que escapa dos clichês do horror atual hollywoodiano, caia justamente nesta armadilha em sua busca por estabelecer uma possível franquia.
“Oculus” (EUA, 2013), escrito por Mike Flanagan e Jeff Howard, dirigido por Mike Flanagan, com Karen Gillan, Brenton Thwaites, Katee Sackhoff, Rory Cochrane, Annalise Basso, Garrett Ryan e James Lafferty.
Trailer do filme O Espelho