Esqueça a empolgante fuga da prisão de A Fuga das Galinhas, o criativo filme de monstro que era Wallace & Gromit: A Batalha dos Vegetais ou a irreverente história de amor em Por Água Abaixo. Se a Aardman já provou sua genialidade em produzir desenhos brilhantemente animados por meio de stop-motion e que brincam de maneira irreverente e apaixonada com clichês e gêneros cinematográficos, nada dessa inteligência ou senso de humor encontra-se em O Homem das Cavernas. A excelência técnica permanece, mas não é o bastante para com que nos importemos, ou para que possamos nos divertidos, com a nova produção.
Na cena inicial do longa, nos deparamos com uma realidade aparentemente alternativa em que humanos e dinossauros chegaram a conviver ¿ algo que, apesar de não ser explorado pelo roteiro, também não chega a ser um problema, já que muitas outras liberdades criativas estão por vir. Quando o meteoro que extingue os dinossauros atinge a Terra, os habitantes de uma vilarejo “perto das Américas” acidentalmente inventam o futebol.
“Muitas eras depois”, Dug (voz, no original, de Eddie Redmayne) é um dos descendentes dessa tribo, o único que enxerga em seus companheiros o potencial de serem mais do que caçadores de coelhos ¿ por que não capturar também animais maiores e que otimizariam o trabalho dos caçadores? Mas, como o Chefe Bobnar (voz de Timothy Spall) argumenta, o vilarejo sempre caçou criaturas pequenas ¿ é assim que eles entendem as pinturas rupestres que mostram seus ancestrais batendo bola. Até que, certo dia, a vila é invadida pelo malvado Lord Nooth (voz de Tom Hiddleston), que deseja mineirar o bronze do território. É assim que Dug descobre que, enquanto ele e os demais habitantes de seu vilarejo ainda estão na Idade da Pedra, uma região vizinha já adentrou a Idade do Bronze e, portanto, possui ferramentas e inteligência para derrotá-los. Mas, quando Dug vê esse povo superior jogando uma partida de futebol, ele entende que o esporte foi uma invenção de seus antepassados e resolve competir contra seus captores pela liberdade de seu povo.
Assim, apesar do contexto, O Homem das Cavernas rapidamente assume uma postura de “filme de esporte sobre a ascensão dos perdedores”, mas sem qualquer da ironia ou da subversão de obras anteriores da Aardman. O roteiro de Mark Burton e James Higginson arranca uma ou outra risada, especialmente quando brinca com a literalidade de expressões como “suspenso até o final da temporada” ou com a modernidade das partidas de futebol no contexto pré-histórico na hora de vermos os replays das jogadas mais importantes. Entretanto, em sua imensa maioria, a obra dirigida por Nick Park (comandando um filme sozinho pela primeira vez) é pouco inventiva, preferindo percorrer um caminho tradicional e, com isso, desperdiçando as possibilidades de sua premissa. Além disso, a própria direção de Park mostra-se pouco dinâmica, ainda que, tecnicamente, o longa seja mais um exemplo da excelência do time de animadores da produtora ¿ o design dos personagens mistura bem as características pré-históricas com os traços que os tornam mais carismáticos, além de serem bastante diversificados.
Mas, em termos de caracterização, os personagens são outro problema enorme de O Homem das Cavernas. Dug só parece esperto e valente quando comparado aos demais habitantes da tribo, e Park ainda tem o hábito irritante de transformar em piada a sexualidade das (poucas) personagens femininas. Isso sem falar em Goona (voz de Maisie Williams), talvez a primeira “Manic Pixie Dream Girl” da história da humanidade. Entretanto, mais incômodo ainda é o fato de que o roteiro associa “civilização” com “inteligência”, já que toda a compreensão de mundo dos habitantes do vilarejo é extremamente primitiva e ignorante em relação à cidadela da Idade do Bronze. O fato de que o povoado possui inúmeros outros tipos de conhecimento ¿ sobre a natureza e sobre caça, por exemplo ¿ jamais é explorado.
Com isso, O Homem das Cavernas mostra que, ainda que a Aardman mantenha a sua excelência técnica, o que fez a produtora tornar-se o que ela é no mundo da animação vai muito além disso. E, infelizmente, esse “algo a mais” que seus filmes anteriores traziam é inexistente aqui.
“Early Man” (EUA/RU/Fra, 2018), escrito por Mark Burton e James Higginson, dirigido por Nick Park, com as vozes (no original) de Eddie Redmayne, Tom Hiddleston, Maisie Williams, Timothy Spall, Richard Ayoade, Mark Williams, Miriam Margoyles e Rob Brydon.