O Homem do Norte | Crítica do Filme | CinemAqui

O Homem do Norte | Para o Valhalla

Se para qualquer diretor é difícil manter uma constância em sua filmografia, para Robert Eggers isso parece ser algo relativamente simples. Sejam em filmes menores e sem expectativa de ninguém, seja em um blockbuster de 90 milhões de orçamento como O Homem do Norte. Em todos os casos seu público se dividirá entre aqueles que se veem diante de uma obra prima e aqueles que irão cochilar durante o filme.

Isso acontece não diante de qualquer defeito ou incapacidade do diretor (na verdade ele tem poucas e só merece elogios), mas sim diante de um cineasta com objetivos claros demais. E nenhum deles é dar aquilo que o público quer só para aumentar o balde de pipocas.

Enquanto A Bruxa era sufocantes e anticlimático (e isso são elogios!), O Farol desafiava a capacidade mental de seus espectadores (também um elogio!) e O Homem do Norte é um épico sobre vingança que não tem medo de ser perturbador, difícil e poderoso (só elogios!).

Nele, Ethan Hawke é o rei Aurvandil “Corvo de Guerra”, que volta para casa depois de uma incursão bem-sucedida, mas que o deixa ferido. A possível morte então o obriga a iniciar seu filho Amleth na cultura nórdica e no significado de honra etc. Em outras palavras, esta preocupado com o herdeiro jovem e precisa fazê-lo virar logo um homem com “H” maiúsculo. Mas nada disso dá muito tempo de acontecer, já que seu irmão, Fjolnir (Claes Bang), decide destrona-lo e matar o sobrinho, que consegue sobreviver.

Décadas depois, exilado e fazendo parte de uma horda de vikings, Amleth (agora sim vivido por Alexander Skarsgard), descobre a possibilidade de enfim ter sua vingança, o que o faz se infiltrar na propriedade do tio como um escravo enquanto planeja um modo de mata-lo. Junte a isso umas visões, um monte de mitologia e uma espada meio mágica.

Sim, como todo filme sobre mitologia (qualquer uma) deveria ser, O Homem do Norte, não cai na armadilha de um realismo chato. O místico nunca sai do pé da história e isso faz dele uma experiência ainda mais arrebatadora e complexa. Eggers não perde nenhuma oportunidade para criar um visual impecável a partir dessa mitologia, dando tanto um tom de pesadelo e delírio nesses momentos, quanto contrabalanceado a crueza da realidade e a precisão histórica.

“Precisão” é a palavra de Homem do Norte, já que Eggers, que também escreve o roteiro junto do roteirista Sjón (que tem no seu currículo coisas como Dançando no Escuro e o recente Lamb).  A dupla ainda contou com uma espécie de consultoria de um dos nomes mais respeitados no estudo dessa época da história, Neil Price. Para eles, o resultado é o filme sobre vikings mais historicamente preciso do cinema. Se parece pretensão, o resultado disso é visual e narrativamente impressionante.

O Homem do Norte | Para o Valhalla

Eggers dá valor a todo esse estudo em cada detalhe. Não tem pressa para interromper o ritual de preparação dos Berzerkers. Não desvia o olhar da bruxa vivida por Bjork em uma incrível participação especial. Nem se importa em colocar um bruxo homem em um buraco na terra sem o menor glamour, mas tudo em uma mistura de metáfora, com maluquice e veracidade.

Mesmo sendo uma história simples de vingança, a mesma que serviu de inspiração para Shakespeare e seu Hamlet, o mito de Amleth, na visão de Eggers, é uma deslumbrante experiência visual. Daquelas que se imprime no cérebro do espectador como se cada frame fosse uma obra de arte. Seu estilo de encarar alguns personagens frente a frente enlouquece seus interpretes e os permite entregar trabalhos que fogem da normalidade.

Willem Dafoe aparece pouco na tela, mas é de uma loucura deliciosa e impressionante. Ethan Hawke também aparece pouco, mas tem um trabalho vocal incrível, que vai de um sussurro doloroso até uma espécie de cansaço e aceitação. Já Nicole Kidman é uma força da natureza e aproveita todas possibilidades da personagem para criar alguém complexa e que fica entre a inocência e a maldade de um modo perturbador. Skarsgard e Ana Taylor-Joy acabam precisando ficar mais centrados na dinâmica dos personagens e em seus protagonismos, mas sem nunca entregarem menos do que se espera dos dois.

E falando em “expectativa”, esperar que Eggers entrasse de cabeça em um grande estúdio e esquecesse de seu cinema autoral, praticamente não faz sentido. O Eggers que começa grandioso, com planos sem cortes que passam por muros o voam sobre rios, que entrega uma batalha violenta sem desviar o olhar das vítimas de Amleth, não é o mesmo Eggers de seus outros filmes, é esse Eggers que pousa no segundo momento do filme enquanto constrói uma trama que conversa com o terror e não poupa o espectador de nenhum gore.

É lógico que isso obriga o filme a desacelerar, seria impossível manter o ritmo do começo até a luta final épica nos portões de Hel. A quebra de ritmo é necessária para desenvolver a trama. Mas mesmo assim isso será apontado por muita gente como um defeito, assim como muitos apontaram não acontecer nada em A Bruxa. Mas acontece muito em todos. É nesse lugar que reside o cinema de Eggers, no não dito e na sensação. Em uma vontade de fazer com que cada linha de diálogo venha carregada de poesia e fúria. Uma busca pelo limite da existência daqueles personagens.

Assim como a trilha sonora de Robin Carolan e Sebastian Gainsborough, o filme de Eggers arranha o cérebro de seus espectadores. Não é simplesmente um filme sobre vingança, mas sobre uma vingança que encontra aquele lugar onde ela perde o sentido e todos se tornam vilões. Silhuetas sem face iluminadas pela lava. Não existem dois lados, mas sim apenas um, o da raiva e da retaliação. Eggers quer incomodar com as soluções e não se importa com asfrustração de parte de seu público que não embarcar em seu drakkar.

Já quem levantar as armas e seguir com Eggers por esse épico furioso e poético, se deixar levar pelo frenesi dos guerreiros, vai com certeza encontrar um daqueles filmes que te fazem lembrar do quanto, quando as luzes do cinema se apagam, você pode viajar para um outro mundo. Um outro tempo. E mais um capítulo desse filmografia impecável.


“The Northman” (EUA, 2022); escrito por Sjón e Robert Eggers; dirigido por Robert Eggers; com Alexander Skarsgard, Nicole Kidman, Claes Bang, Ethan Hawke, Anya Taylor-Joy, Gustav Lindh, Elliot Rose, Willem Dafoe e Bjork.


Trailer do Filme – O Homem do Norte

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