O Lamento é um terror coreano, e só essa descrição seria o suficiente para chamar a atenção de qualquer fã de terror que se preze. Afinal de contas, terrores asiáticos já são de praxe as melhores fontes de medo humano, e geralmente vem acompanhados de lendas sempre um pouco pesadas demais, como se pode comprovar através de O Chamado, Espíritos – A Morte Está ao Seu Lado, Medo, e O Hospedeiro (que é muito mais um drama).
Em O Lamento, como qualquer filme bom do gênero, acompanhamos um pouco da vida de Jong-Goo (Do Won Kwak) e sua família durante a resolução de dois assassinatos tenebrosos que acontecem na cidadezinha onde moram. As mortes, ocorridas em família, são inexplicáveis e revoltantes, em uma prova inicial de que o filme consegue tanto impressionar quanto estender um pequeno drama cotidiano, típico de jornais sensacionalistas. E esse caminho continua até o ponto em que estranhamos as circunstâncias aparentemente sobrenaturais que cerca os supostos assassinatos.
Brincando de certa forma com a cultura atual da zumbificação de nossos medos – em uma sequência na floresta que impressiona o suficiente para se manter na memória o resto da história – o filme inicialmente flerta até com os clichês mais básicos, usando a parada clássica do trovão para pontuar um diálogo cômico entre dois policiais, para no momento final se utilizar de um susto tão banal quanto eficiente. Porém, quanto mais avançamos na história, mais percebemos que as habilidades em nos mostrar uma cena tensa, assustadora e impactante não estão à altura de um roteiro confuso, excessivo e pesado além do ponto. Aparentemente hermético demais, o filme parece ter lendas e crendices demais para conseguir se manter coeso.
Sem contar que, se no início a rotina familiar de Jong-Goo e o tom mais ou menos caricato de sua inexperiência para investigar um caso desses tornam o filme mais leve. Jé o resto será um espetáculo idealizado pela mente doentia e sanguinária do diretor e roteirista Hong-jin Na, que usa e abusa do terror gore, litros de sangue e feridas na pele para nos impressionar pela brutalidade da sua história.
Logo o objetivo real se torna mais claro: esta não é uma história centrada em um drama (como O Hospedeiro), mas sim centrada em fazer terror, pura e simplesmente. E de todas as maneiras possíveis, talvez com o intuito de atingir o espectador em algum momento particular, já que cada um terá medo de algum aspecto ou personagem.
Isso explica porque conforme a história vai se tornando cada vez mais complexa, novos personagens e elementos vão aparecendo e apenas depois da metade do filme chega um xamã que irá tentar resolver as maldições que aparentemente assombram o vilarejo. Logo vamos percebendo que dificilmente essa história irá fechar suas pontas sem soar necessariamente forçado e ao mesmo tempo banal, já que as próprias mortes parecem se tornar cada vez mais cotidianas e corriqueiras.
A sensação é que parece haver pelo menos três filmes aí. Super protetor, Hong-jin não parece não saber cortar nada, nem no roteiro nem no próprio filme. Mas não me leve a mal: todas as sequências são ótimas. O que não evita que elas aos poucos percam a força, justamente por irem empalidecendo o significado na história.
Sua fotografia é ótima, bucólica, rupestre, com cores simples que se misturam com as sombras, seja da floresta ou das construções destruídas. A montagem é dinâmica, interessante de seguir, pois está sempre investindo na subversão do ritmo para gerar susto, algo muito mais eficaz que o som que aumenta de repente. Aliás, até a edição de som e os efeitos sonoros são de primeira qualidade. São os sons que intensificam cada cena sem forçá-la, muitas vezes usando os personagens se assustando.
Porém, nada disso adianta se a história que acompanhamos vai fazendo cada vez menos sentido, e no final a única coisa que temos é o horror bem feito esteticamente, com diferentes formas de representá-lo – incluindo um demônio impecável – e sem aquilo que mais um terror necessita para que ele consiga ainda ser relevante: significado. Às vezes não saber a hora de cortar pode ser a maior maldição de um filme.
“Goksung” (Cor/USA, 2016), escrito e dirigido por dirigido por Hong-jin Na, com Do Won Kwak, Woo-hee Chun, Jung-min Hwang, So-yeon Jang, Han-Cheol Jo