[dropcap]À[/dropcap]s vezes, quando uma nova megaprodução é lançada, a vontade de transformá-la no “Novo Alguma Coisa” e em primeiro capítulo de uma franquia fica mais do que escancarada. O Mistério do Relógio na Parede adoraria ser o “novo Harry Potter”. Mas não em termos de história, já que esta é uma adaptação do livro homônimo publicado em 1973 por John Bellairs, e sim em relação ao espaço que busca ocupar na indústria: atrair o público mais novo fascinado por algo fantasioso, peculiar e até mesmo um pouco estranho
O Mistério do Relógio na Parede é um filme infantil com toques do macabro, sendo uma ótima oportunidade de abrir as portas da fantasia e do terror para os pequenos. Afinal, o longa mescla seus divertidos toques de magia com sequências e imagens divertidamente bizarras. Nada é exatamente novo e a trama é acelerada demais para realmente aproveitar suas discussões sobre perda e trauma, mas trata-se de uma produção envolvente e charmosa.
E falando em discussões importante, se há algo que o longa faz bem é transmitir a sua mensagem de que não precisamos esconder nossas bizarrices — e isso costuma ser bem vindo em uma obra voltada para as crianças.
A história tem início quando o pequeno Lewis Barnavelt (Owen Vaccaro) muda-se para a casa de seu excêntrico tio Jonathan (Jack Black) após a morte de seus pais. Jonathan jamais havia conhecido o sobrinho, mas recebe-o de braços abertos — e com muitos biscoitos de chocolate para o jantar — em uma casa vitoriana no subúrbio fictício de New Zebedee, no Michigan. A residência é repleta de móveis e objetos estranhos que parecem mover-se no canto do olho, além de uma janela de vitral que insiste em mudar seu desenho de acordo com o que está acontecendo por ali.
Lewis logo descobre que seu tio é um feiticeiro, assim como a vizinha e amiga de longa data dele, Florence Zimmerman (Cate Blanchett). Depois de convencer Jonathan a ensiná-lo magia, Lewis envolve-se também na busca pelo misterioso relógio apocalíptico que foi escondido em algum lugar da casa por um bruxo mal, Isaac Izard (Kyle MacLachlan).
O excêntrico lar de Jonathan estende-se como um parque de diversões macabro em que a equipes de design de produção e de direção de arte podem brincar à vontade. Desde a poltrona que comporta-se como um cachorro à topiária felina, passando por uma plantação de abóboras nada convencional, O Mistério do Relógio na Parede nos envolve em seu universo e jamais deixa de divertir-se consigo mesmo.
Por isso, as subversões simpáticas e a bizarrice gentil do longa funcionam. O carismático protagonista Owen Vaccaro transmite bem a forma com que Lewis se esforça para ser visto como um garoto “normal” ao mesmo tempo em que não hesita em andar pra todo lado com os óculos steampunk iguais aos de seu personagem preferido, do mesmo jeito que vai se soltando à medida que começa a perceber o valor de sua excentricidade. Mas, como não poderia deixar de ser, Jack Black e Cate Blanchett roubam o filme sempre que estão em cena, especialmente juntos — os dois desenvolvem uma amizade envolvente e sincera. ainda que os insultos bem-humorados que trocam sejam um tanto repetitivos.
Já Kyle MacLachlan diverte-se como o vilão da história, aproveitando-se também do fato de que sua presença traz mais dinamismo e energia para a trama. Por outro lado, é uma pena que a vibrante Renée Elise Goldsberry (que talvez você conheça das séries Altered Carbon e The Good Wife ou do megasucesso da Broadway, Hamilton: An American Musical) seja tão desperdiçada.
Mas o já mencionado teor repetitivo do longa fica no caminho de toda essa energia. Além de aparecer nos diálogos, as gags visuais também sofrem com isso — o diretor Eli Roth, que faz um belo e criativo trabalho nas cenas mais grandiosas, utiliza uma piada recorrente envolvendo a topiária como forma de encerrar qualquer cena que ele não pareça saber como poderia terminar de outro jeito. Mesmo assim, apesar de seus problemas pontuais, O Mistério do Relógio na Parede é uma obra que tem o coração no lugar certo — e isso pode ser surpreendente para você se considerar as obras anteriores de Roth como O Albergue e Cabana do Inferno.
O Mistério do Relógio na Parede, então, surge como uma produção que se encaixaria muito bem em uma festa infantil de Halloween — e essa é justamente sua intenção —, sem que isso signifique que o público mais velho não vai ser capaz de envolver-se com a história. Aqui, o terror mostra-se (quase) tão lúdico quanto a fantasia.
“The House With a Clock in Its Walls” (EUA, 2018), escrito por Eric Kripke a partir do livro de John Bellairs, dirigido por Eli Roth, com Owen Vaccaro, Jack Black, Cate Blanchett, Kyle MacLachlan, Renée Elise Goldsberry, Lorenza Izzo, Vanessa Anne Williams, Colleen Camp e Sunny Suljic.