Cada diretor tem seu Holy Motors (Leos Carax, 2012) que merece. No caso do diretor português João Pedro Rodrigues, O Ornitólogo é uma história com uma estrutura igualmente coesa mas um final hermético e inacessível, tal qual não a arte cinematográfica, mas a mente religiosa.
A história gira em torno de Fernando (Paul Hamy), um estudioso de aves focado nas regiões em que elas vivem, seus hábitos e modo de vida. Isolado dos humanos, incluindo seu suposto namorado, e navegando pelos rios em seu caiaque, ele passa o dia com seu binóculo observando pássaros dos mais diversos em meio a uma natureza que o olha de volta. Ao sofrer um acidente é resgatado por um casal de chinesas perdidas, física e psicologicamente. A tortura mental começa a partir desse ponto, e através dele somos levados a níveis cada vez maiores de loucura e simbolismo.
Roteirizado pelo próprio Pedro Rodrigues, a história carrega simbolismos e um mistério que teoricamente irão ser solucionados mais à frente. No entanto, o “trunfo” do filme é nunca revelá-los, preferindo jogar cada vez mais eventos misteriosos e símbolos. Embora esses eventos possam ser explicados racionalmente, o filme sempre nos puxa a olhar para ele de forma mais metafórica. Os personagens muitas vezes se tornam no melhor dos casos artificiais, e no pior elementos funcionais da história. A noção da realidade vai de diálogos vagos demais a um celular que é arremessado em direção a um pombo.
Todas as noções que o filme traz parecem se interligar ao seu conceito religioso. Fala-se do Caminho de Santiago, de uma pomba e de um batismo cristão nada convencional. Através de lindas paisagens da natureza, vistas tanto pelo olhar curioso de um ser humano quanto pela noção holística de aves que o sobrevoam, o tom de mistério é adequado quando entendemos que ele é necessário para que seja uma ofertada uma entrega da lógica em troca de uma visão mais aprofundada da realidade. Fernando é ateu, e o caminho de “revelação” do filme vai se tornando aos poucos mais ou menos óbvio.
Sem trilha sonora alguma exceto o que ouvimos dos animais em torno dos personagens, e aparentemente sem tratamento fotográfico algum que vá além do uso estético de uma floresta, planícies, montanhas e rios idealizados, a imersão do espectador é feita de uma maneira natural. Acompanhamos a saga de Fernando visto pelos seus próprios olhos e das aves que observa, com raríssimas exceções. No entanto, estamos um passo à frente de sua experiência, pois entendemos todos os idiomas usados no longa, enquanto ele se limita ao que é falado (e escrito) em português e inglês.
Para os mais céticos, essa experiência em direção ao místico pode necessitar de mais explicações. Fiquei particularmente irritado com o fato de Fernando sempre voltar ao seu celular para tentar rede e conseguir fazer uma chamada telefônica, quando ao mesmo tempo ele lê as mensagens de seu amante sem sequer pensar em mandar uma mensagem de resgate. Não fica claro a transformação interna que o protagonista está passando, pois ela é gradual e praticamente imperceptível, exceto por um ou outro evento estranho.
De qualquer forma, O Ornitólogo oferece uma aventura hermética, mas nunca enfadonha. Há acontecimentos misteriosos e de certa forma perturbadores o suficiente para entreter, sem que com isso nos revele de uma vez por todas o que tudo isso quer dizer. A busca por uma narrativa em um filme que começa por essa busca estéril que nosso herói faz em meio a uma floresta cheio de símbolos indecifráveis, que de alguma forma o transformaram. Mais ou menos como qualquer religião do planeta, ecológica ou não.
“O Ornitólogo” (Por/Fra/Bra, 2016), escrito por João Pedro Rodrigues, dirigido por João Pedro Rodrigues, com Paul Hamy, Xelo Cagiao, João Pedro Rodrigues, Han Wen, Chan Suan