[dropcap]E[/dropcap]xplorando bem seu contexto político mesmo sem mergulhar muito fundo nas consequências da Ditadura Militar ou nas propostas de seu personagem-título, O Paciente – O Caso Tancredo Neves é uma biografia eficiente em sua maior parte por concentrar-se nos momentos mais frágeis do presidente que nunca tomou posse e em toda a esperança que a população, ansiosa pelo retorno à democracia, depositava nele.
Para introduzir o filme, o diretor Sergio Rezende apresenta uma sequência dinâmica e bastante didática que resume o que acontecia na época — Tancredo Neves acaba de ser eleito pelo voto indireto e está prestes a tornar-se o primeiro presidente do retorno à democracia, após manifestações intensas por parte da população exigindo eleições diretas e o fim da Ditadura Militar. Neves foi escolhido como candidato por ser “querido pelo povo e aceitável pelos militares”, mas a instabilidade ainda era fortemente sentida por todos, inclusive pelo presidente eleito.
Por isso, mesmo sentindo fortes dores abdominais nos dias que antecediam a posse, ele se recusou a procurar um médico, temendo que, se não pudesse tomar posse, os militares se recusariam a dá-la a seu vice, José Sarney, o que levaria a uma continuidade da Ditadura. Mas, preocupados com uma apendicite ou outra condição que pudesse agravar-se a qualquer momento, os médicos e familiares de Tancredo finalmente o convenceram a fazer uma consulta na véspera da posse. Entretanto, uma cirurgia foi necessária e, a partir daí, seguiu-se uma série de procedimentos, operações e infecções que, cerca de um mês depois, levaram ao falecimento de Tancredo Neves.
Baseado no livro homônimo de Luís Mir, historiador e pesquisador que representa a família Neves, o roteiro de Gustavo Liptzein acerta ao concentrar-se justamente nesses últimos dias de Tancredo, intercalando seus esforços para agarrar-se à vida com cenas que ilustram o quanto o povo depositava suas esperanças nele. Assim, o lado político de O Paciente importa na medida em que influencia diretamente o estado psicológico e a determinação do presidente eleito, mas não além disso — o filme não se propõem, por exemplo, a retratar as propostas de Tancredo ou a discutir se ele era ou não a melhor escolha para o cargo.
Ele foi a representação do retorno à democracia e a figura na qual a população depositou toda a sua esperança e é nisso que o longa foca, mas sem endeusar sua figura. Com isso, a hesitação de Tancredo a afastar-se de sua campanha e do povo brasileiro e seu medo diante da possibilidade de os militares recusarem-se a empossar seu vice, ganham um maior peso, pois entendemos exatamente o que está em jogo.
Para tanto, o belo trabalho de Othon Bastos como o personagem-título é muito importante. Ele captura com dinamismo cada faceta de Tancredo, afastando seu trabalho de uma caricatura ou imitação. Mesmo preocupado, Tancredo inicialmente tem uma atitude otimista, como se sua estadia no hospital fosse um contratempo que logo seria solucionado — quando ele começa a perceber que pode não sair dali com vida, ele declara em um estado totalmente vulnerável tanto física quanto emocionalmente: “Eu não merecia isso.”
É tocante perceber que, como ele, a determinação e a teimosia de Tancredo vão se esvaindo conforme seu estado vai piorando. Nesse sentido, o diretor acerta na maneira com que consegue mergulhar o espectador na mente de Tancredo em um momento-chave, que torna-se, então, sensível em vez de exploratório.
Enquanto isso, seus colegas de elenco não tem a oportunidade de demonstrar a mesma multidimensionalidade, já que surgem como figuras existentes apenas para seguir o andamento do roteiro e jamais estabelecem-se como indivíduos. Esther Góes, que vive Risoleta Neves, esposa de Tancredo, consegue ter alguns momentos quando precisa manter a compostura diante da família e da imprensa, mas protagoniza uma das cenas mais pedantes do longa — depois de ser questionada pela filha sobre o fato de que não demonstrava sua tristeza pelo estado de Tancredo, Risoleta declara que chora, sim, mas quando está sozinha, pois não pode mostrar-se frágil para não dar a entender o quanto a situação do marido é grave. Logo em seguida, então, Rezende não resiste à inserção de um plano que traz… Risoleta chorando. Sozinha. Mesmo sendo uma escolha óbvia, a ocasião até poderia ter algum peso maior se não fosse tão forçado e breve, o que aumenta ainda mais a impressão de que a cena só existe para escancarar algo que já havia sido referenciado. Além disso, Othon Bastos parece ser o único ator do elenco capaz de entregar o texto com naturalidade, pois os demais sempre soam “duros” e ensaiados demais.
Assim,mesmo que o restante do longa jamais chegue à altura da multidimensionalidade com que Sergio Rezende e Othon Bastos constroem o protagonista, O Paciente – O Caso Tancredo Neves é um retrato interessante de uma figura importantíssima da história brasileira que deparou-se com seu momento mais frágil quando o próprio país ainda tentava se reconstruir.
“O Paciente – O Caso Tancredo Neves” (Bra, 2016), escrito por Gustavo Liptzein a partir do livro de Luís Mir, dirigido por Sergio Rezende, com Othon Bastos, Esther Góes, Leonardo Medeiros, Otávio Müller, Paulo Betti, Emílio Dantas, Mário Hermeto e Lucas Drummond.