Que Guy Ritchie já teve sua relevância, isso é indiscutível. Que ele continua criando seus filmes como se isso nunca estivesse acontecido e mantendo toda boa vontade de fazer suas produções serem gloriosamente esquecidas desde seus lançamentos, isso também uma verdade indiscutível. O Pacto é o quarto filme do diretor inglês desde Aladdin e, com certeza a maioria do pessoal nem imagina isso. Não que Aladdin seja um exemplo de qualidade… nem O Pacto.
Mas as intenções desse novo filme são válidas. O roteiro é do próprio Ritchie com Ivan Atkinson e Marn Davies, mesmos daqueles outros três filmes que você não lembrava que existiam. O resultado deve ser o mesmo também, mesmo com a boa vontade envolvida no trabalho dos três. Isso porque o filme tenta, realmente, contar a história de um pessoal que, fora das telas, foi esquecido: os interpretes.
Não aqueles das reuniões e transmissões ao vivo, mas sim os da guerra. No caso do filme, aqueles que estavam com os soldados americanos no Afeganistão durante o “pós 11 de setembro”. O projeto dos Estados Unidos era dar trabalho para esses afegãos e garantir o visto deles para a “América” depois de um tempo de serviços prestados. E quem conhece a “Terra do Tio Sam” sabe que isso é a receita perfeita para o desastre… do afegãos, não dos “gringos”. Além de (obviamente) serem esquecidos pelo governos dos EUA, os intérpretes não receberam nenhum respaldo ou ajuda do exército diante de suas perseguições do Talibã e outras represálias. A não ser que você seja amigo do Jake Gyllenhaal.
Nesse caso, Sargento John Kinley, soldado experiente que fica por lá no Afeganistão com sua equipe procurando os arsenais do Talibã em uma mistura de investigação e ação. Portanto, o começo do filme se permite desenvolver um pouco a relação desse americano com seu novo interprete, Ahmed (Dar Salim), que consegue ser ainda mais marrento e rebelde que ele. O que resulta em uma mistura de amor a primeira vista com o perigo de ter alguém mais macho que ele dentro do batalhão. Mas tudo bem, a história dá uma guinada para outro lado.
A verdadeira história de O Pacto não está nesse começo, mas sim em uma emboscada que eles acabam sendo pegos e Ahmed precisa arrastar John por centenas de quilômetros em meio a território inimigo. E essa parte é longa, faz o espectador realmente entender o esforço do afegão, mas aquilo não acaba e o filme fica tempo demais acompanhando esse cara arrastando o outro no meio do deserte de modo quase burocrático e bem longe de qualquer capricho visual que Guy Ritchie já teve na carreira. Qualquer um faria aquilo do mesmo jeito e obteria o mesmo resultado. O que é pouco para elevar o filme, mas funciona.
Até porque isso tudo esconde o que, talvez, seja o objetivo de O Pacto. Esse terceiro momento onde o Sargento acorda já nos Estados Unidos e descobre que Ahmed ainda está no Afeganistão fugindo do Talibã, já que se tornou um herói local. Talvez isso seja até um spoiler. Mas é difícil identificar isso, já que o filme parece estar tão separado nesses três momentos que parece encapsulado nesses capítulos. E isso é pior ainda, pois nenhum dos três cumpre o que promete.
O primeiro não é um filme de investigação interessante. O segundo é chato e repetitivo. O terceiro é um resgate sem emoção. Mas Ritchie e seus parceiros de roteiro acabam o primeiro e o terceiro momento com tiroteios cheios de metralhadoras e “terroristas”. Mas tudo meio sem emoção também, nunca sendo uma boa cena de ação, principalmente quando a gente comparar com os melhores momentos do diretor, que não são poucos e são incríveis. Mas esse cineasta não está em o Pacto.
Mas a intenção é boa e o “disclaimer” no final do filme mostra um monte de números revoltantes que deixam claro o quanto os Estados Unidos, monstruosamente, são os maiores vilões de histórias como essas. Mesmo diante do Talibã, os americanos ainda conseguem fazer tanta besteira que é difícil estar com eles. Nem o próprio John Kinley consegue fazê-lo. E acreditem, Para cada centena de “Ahmeds” perdidos no Afeganistão não existe um Jake Gyllenhaal para salvar nenhum deles, e isso é estarrecedor.
Talvez mostrar isso seja o objetivo de Ritchie, mas essas informações só estão lá no final do filme, então o resto meio que não presta para nada. O melhor é justamente quando ele acaba. O que é uma pena.
“The Covenant” (EUA, 2023); escrito por Guy Ritchie, Ivan Atkinson e Marn Davies; dirigido por Guy Ritchie; com Jake Gyllenhaal, Dar Salim, Sean Sagar, Jason Wong, Alexander Ludwig e Jonny Lee Miller.
SINOPSE – A história de um soldado americano e o interprete de seu batalhão durante a invasão do Afeganistão. Uma relação que ultrapassa a profissional e se torna um conto de sobrevivência e empatia.
Trailer do Filme – O Pacto