*o filme faz parte da cobertura da 43° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
[dropcap]O[/dropcap] problema de documentários como O Paradoxo da Democracia é o mesmo que o youtuber Pirulla enfrenta sempre que ele critica a divulgação de teorias da conspiração e informações anti-científicas: as pessoas misturam mentiras e verdades em um mesmo pacote, e como existem algumas verdades embutidas no discurso conspiratório fica mais difícil desmentir a parte falsa sem desmoronar todo o frágil edifício construído em torno da teoria.
E no caso do trabalho documental de Belisario Franca e Pedro Nóbrega, se torna uma tarefa ingrata contra-atacar a argumentação falaciosa usada contra o que pessoas de esquerda adoram chamar de neoliberalismo. Essa mania é universal na política, não importando o lado: inventar “neonomes” para conceitos mais antigos.
“Neonomes” são a maneira escolhida em nosso tempo como ataque verbal de um lado para conseguir se posicionar como um intelectual informado e ciente do quão nocivo é o outro lado. Comportar as versões do século 21 da direita e da esquerda na política exigem reciclagem de termos, já que o próprio filme começa afirmando, através da voz de um entrevistado, que sempre haverá o que chamamos tradicionalmente de direita e esquerda. E ele define de maneira rica e direta cada um dos lados, o que faz surgir a dúvida: por que os próprios documentaristas responsáveis pelo filme permitem contradições gritantes dentro da narrativa?
Não é preciso pensar muito para responder. Franca e Nóbrega estão contra-atacando, assim como praticamente qualquer trabalho documental contemporâneo, a vitória nas urnas da direita, no Brasil e no mundo. Eles agem de maneira instintiva. Os entrevistados, cientistas políticos, economistas e sociólogos, são escolhidos a dedo para corroborar a narrativa escolhida: o capital é incompatível com as democracias modernas.
E eles chamam essa narrativa de paradoxo, já que não houve ainda nenhum golpe de direita neste novo século, e os únicos exemplos recentes da História provém de países onde não há democracia ou onde houve golpes de esquerda disfarçados de democracia, como Venezuela, ou nem isso (Coreia do Norte). De qualquer forma, este filme é justamente um alerta para a possibilidade de testemunharmos movimentos extremistas e autoritários de direita, e o único exemplo que temos é a Rússia de Putin, citada no filme através dos conflitos na Ucrânia.
O Paradoxo da Democracia não nos diz nada de novo do que já está aí sendo discutido por praticamente toda a população brasileira, que desde os protestos de 2013 vem se politizado em grande escala. E a despeito das “fake news” sempre serem usadas como bodes expiatórios, a inclusão digital, como o próprio filme admite, tem grande papel nisso.
Agora, se você prefere não se envolver em discussões políticas, é de esquerda, e prefere acessar um conteúdo já mastigado, este filme é um bom ponto de partida para tudo o que está acontecendo desde a crise de 2008. E se você é de direita, não irá ganhar nada, pois já deve conhecer as informações, o discurso já está pronto e você não deve mudar de lado apenas assistindo a um documentário.
“O Paradoxo da Democracia” (Bra, 2019), escrito por Belisario Franca e Pedro Nóbrega, dirigido por Belisario Franca.