[dropcap]Q[/dropcap]uando só a mensagem é o importante, talvez ter um filme em volta disso nem seja necessário. Mas sem o filme, não teríamos a mensagem, portanto, O Poço é um paradoxo que se consome ele próprio enquanto mastiga as próprias entranhas e chega longe ao mesmo tempo que não chega em lugar nenhum.
Essa antropofagia maluca vai, com certeza, impressionar bastante os espectadores, principalmente aqueles desacostumados com a possibilidade de qualquer tipo de sutileza. O Poço então não esconde essas alegorias em uma história, simplesmente porque não tem uma história para contar.
O arremedo de enredo escrito por David Desola passa por esse cara que acorda em uma espécie de cela com um buraco no meio e um número na parede. Logo ficamos sabendo que desse buraco desce uma plataforma com jeitão de mágica e com os restos de comida dos andares superiores. Portanto, quanto mais perto dos menores números, mais comida. E vice-versa.
Não importa os nomes dos personagens, nem suas motivações, cada um deles está vivo apenas para ser esse estereótipo exagerado mais comum na nossa sociedade do que gostaríamos. Todos estão ali para uma lição, uma tentativa de entender o mundo. “Entender” e ainda dar uma solução para ele, tão simples que é difícil acreditar que as pessoas não irão acabar de ver o filme e montar as pequenas refeições para quem está nos andares de baixo.
Não irão fazê-lo.
A arrogância de O Poço é tão grande que coloca um personagem com cara de maluco para explicar toda dinâmica desse poço. “Quem está em cima, come mais… quem está embaixo, come menos”, se você não sabe disso, o problema não é da sociedade, é seu, portanto, nenhum filme espanhol deveria perder tempo te explicando isso.
O Poço quer te ensinar que não adianta falar com o lado de cima, já que ele não irá te escutar, assim como a revolta do lado de baixo não permitirá que ninguém pense. A empáfia do filme é tão grande que acredita que só quem está no mesmo andar que ele é que é perfeito e está entendendo a mensagem. Mesmo que para isso precise descer com ele até as entranhas do tal poço, será que se ele não vivesse aquilo ele não iria entender algo tão óbvio?
A resposta não vem, o que chega é apenas a ação. Descer a porrada para conseguir o que quer, e isso só mundo quando encontra um outro clichê, um homem negro em uma cadeira de rodas. Nesse momento ele entende que existem outros meios. E não se preocupe, você não irá ligar seu cérebro para entender o que ele diz, ele fala com todas as palavras tudo aquilo que você quer escutar.
O mistério da situação inteira, quem são essas pessoas, qual a razão de estarem lá e onde isso deve chegar, ninguém sabe. O Poço é apenas essa jornada onírica óbvia e que só entrega aquilo que promete, sem nem um fio de trama para ajudar a engolir essas verdades.
A plataforma sobe e desce, a comida acaba, a ideia é ótima, mas quanto mais fundo ela chega, mais deixa a impressão que seria bem interessante que O Poço contasse uma história junto dessa alegoria. A mensagem é importante, pode ir sozinha na plataforma, mas o que está ao redor dela não devia ser o mais completo vazio de ideias. Um conceito se perde quando não tem ninguém para discuti-lo, se ele é só uma verdade, ninguém se importa.
“El Hoyo” (Esp 2019), escrito por David Desola e Pedro Rivero, dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia, com Ivan Massagué, Zorion Eguilero, Antonia San Juan, Emilio Buale e Alexandra Masangkay