[dropcap]O[/dropcap]u você se lembra da comoção que foi o dia 21 de julho de 1969 ou, como eu, cresceu sabendo que, naquela data, havíamos chegado pela primeira vez à Lua. Seja como for, o fato é que esse acontecimento permanece uma das maiores e mais fascinantes conquistas da humanidade – um exemplo perfeito da bravura, da curiosidade e da inteligência humanas. Damien Chazelle captura isso com excelência em seu O Primeiro Homem, acertando principalmente na maneira com que mescla o épico com o íntimo e com que abafa o patriotismo norte-americano para estabelecer esta como uma história universal, ainda que particular.
Em retrospecto, a extraordinária tecnologia que levou os primeiros astronautas da Nasa à Lua parece charmosamente precária, o que traz um ar ainda mais incrível ao acontecimento – o fato de que aqueles homens não apenas alcançaram nosso satélite natural, como retornaram à Terra sãos e salvos, parece quase um milagre. Mas O Primeiro Homem não é sobre essa tecnologia ou sobre a instituição por trás dela – ou sequer sobre a corrida espacial que a impulsionou –, mas sobre o homem que, meio por acaso, tornou-se o símbolo de tudo isso.
Acompanhamos Neil Armstrong (Ryan Gosling) desde sua fase como piloto de testes até o convite para trabalhar na Nasa, que ele aceita depois de passar por uma devastadora tragédia pessoal ao lado de sua esposa, Janet (Claire Foy). O jeito prático e racional de Armstrong logo faz com que ele se destaque entre os colegas do Projeto Apollo e, eventualmente, seja eleito comandante da missão Apollo 11 e, consequentemente, o primeiro a pisar na Lua.
Logo na cena inicial, Chazelle dita o tom que vai guiar o restante do longa. Em um voo experimental que ultrapassa a atmosfera, a primeira visão que temos do espaço é pelo reflexo no capacete de Neil, acompanhada pelo olhar deslumbrado dele. Nossa visão é limitada porque seguimos a perspectiva do próprio protagonista. Ao lado da instabilidade constante da câmera, isso traz um grau de intimismo fundamental para a obra, especialmente considerando o jeito reservado de Armstrong. Entretanto, Chazelle novamente acerta por saber exatamente quando abrir seus planos e rechear a tela de imagens absolutamente deslumbrantes. Afinal, o clímax de O Primeiro Homem, como não poderia deixar de ser, é a chegada à Lua – e quando ela acontece, é de tirar o fôlego.
Gravadas com câmeras IMAX, as imagens realçam cada detalhe da superfície granulada e imensamente vazia do satélite natural, capturando brilhantemente a grandiosidade não apenas da Lua, mas do acontecimento. Para tanto, a trilha sonora conduzida por Justin Hurwitz (que também trabalhou nos dois filmes anteriores do cineasta, La La Land e Whiplash) também é fundamental para transmitir o caráter épico e incrível do que vemos na tela.
O elenco, por sua vez, se sai muito bem mesmo em papéis menores, já que o foco da narrativa fica praticamente o tempo todo em Neil. Gosling abraça cada nuance do personagem e evita transformá-lo em uma figura rasa, já que, mesmo por trás de seu silêncio e da dificuldade em pronunciar-se sobre determinadas coisas (especialmente aquelas envolvendo sua filha), o ator demonstra o tempo todo o peso de tudo o que Armstrong internaliza. Além disso, ele traz leveza e fascínio para os momentos de descoberta e exploração, o que é igualmente importante.
Por outro lado, é uma pena que o filme desperdice Claire Foy tanto como atriz quanto como personagem. Apesar de Chazelle tentar estabelecê-la como indo além disto, o fato é que Janet é apenas “a esposa do protagonista”, surgindo na narrativa para mover o arco dramático do parceiro em vez de existir enquanto indivíduo. O resultado é que a cena de seu monólogo desenrola-se como o mais puro “Oscar bait”, enquanto um momento íntimo que ela divide com o marido no terceiro ato não tem o peso necessário considerando seu posicionamento no longa.
Mas Chazelle acerta na caracterização do protagonista ao estabelecê-lo como um representante da humanidade, e não dos Estados Unidos – com a corrida espacial apenas no background, esta é a história de Neil e do melhor que a humanidade tem a oferecer. Assim, O Primeiro Homem mostra-se impecável em seus pontos mais fortes, conduzindo o espectador com naturalidade a um acontecimento espetacular que, quando acontece, consegue superar quaisquer expectativas.
“First Man” (EUA, 2018), escrito por Josh Singer a partir do livro de James R. Hansen, dirigido por Damien Chazelle, com Ryan Gosling, Claire Foy, Pablo Schreiber, Christopher Abbott, Ethan Embry, Ciarán Hinds, Jason Clarke, Kyle Chandler, Corey Stoll, Shea Whigham, Patrick Fugit, Lukas Haas, Cory Michael Smith e Olivia Hamilton.