O Quarto de Jack pode ser dividido em dois. Ambos sobre o mesmo assunto, mas ainda assim dois sensíveis, fortes e espetaculares filmes.
O primeiro, sobre uma mãe e um filho encarcerados em um pequeno quarto por sete anos. Nele, ela (Brie Larson) precisa ao mesmo tempo fazer com que Jack, seu filho (Jacob Trembley), tenha uma infância que fuja dos horrores da situação enquanto tem que lidar com a presença de seu captor. E um segundo momento, ainda lidando com uma prisão, precisam aprender a transpor as paredes invisíveis do mundo fora daquele quarto.
De um lado um suspense que culmina com um fuga de gelar os ossos, e de outro, um drama em que seus personagens são achatados e diminuídos pela quase dor de sua liberdade. Ambos sobre como conseguir fugir de prisões, tanto com paredes sólidas, quanto aquelas construídas com algumas que não estão mais lá.
Primeiro, com um mãe em um situação aterrorizante ao mesmo tempo que se esforça para tornar a vida do filho menos horrorosa, criando um mundo onde o cárcere faz sentido e as quatro paredes criam um espaço infinito. No resto do tempo, sem as paredes, o filme baseado no best-seller de Emma Donoghue mostra Jack em uma jornada para descobrir o lugar em que realmente vive enquanto a mãe precisa entender como fazer para voltar àquele mundo que a tinha deixado de lado.
Jack então passa a narrar o filme com uma enfase quase de conto de fadas, fazendo todos enxergarem essas novas experiências através de seus olhos. Do outro lado, Brie Larson em um trabalho sutil e que aos poucos vai se permitindo ir mais profundo nessa mulher, cria uma personagem tomada pela dor de poder sentir novamente, que durante sete anos precisou fingir tudo que passava por ela enquanto deitava calada em sua cama no escuro do Quarto.
Um mundo onde ela mesma se descobre irreal diante da TV, que precisa encarar seus erros e não consegue entender como fugir dessa novo Quarto. O outro lado, Jack observa e tenta entender o que faz dessa nova vida algo tão complicado enquanto constrói uma replica de seu antigo mundo com peças de LEGO.
E o trabalho de fazer tudo isso funcionar fica nas mãos de Lenny Abrahamson, que já mostrou uma sensibilidade melancólica no ótimo Frank, que muita gente deve ter deixado passar. Mas que em O Quarto de Jack ele tem a oportunidade de ir além se mostrando um diretor hábil, firme, consciente e sensível.
Com pouco planos detalhes e a parede colada na câmera ele delimita esse mundo dos dois e faz o espectador se sentir preso àquele espaço. Não desperdiça nenhum plano e faz todos ângulos e composições significarem algo para o filme, seja enquanto encara Jack e tenta entende-lo, seja enquanto achata a mãe num lado da tela e a encarcera em qualquer mundo que esteja. Um trabalho de desvendar o que não está sendo dito ou mostrado, mas que também opta por se manter sempre ao lado de Jack, mesmo preso dentro do carro sem saber o que poderá acontecer.
Um diretor com a sensibilidade de saber que tem em mãos um filme dividido em dois, mas que na verdade é uma experiência dividida entre muitos lados, possibilidades e caminhos, ainda que todos sempre cheguem na mesma conclusão de que, realmente, ninguém nunca conseguirá estar totalmente livre dessas paredes.
“Room” (EUA, 2015), escrito por Emma Donoghue, dirigido por Lenny Abrahamson, com Brie Larson, Jacob Tremblay, Sean Bridgers, Wendy Crewson e Joan Allen.