[dropcap]É[/dropcap] um sentimento profundo, que vai além da razão, testemunhar uma floresta ser devastada. Árvores caindo ao movimento de um trator e a fumaça denunciando um incêndio não muito longe dali marcam o início de O Que Arde, terceiro filme do diretor Santiago Fillol escrito pelo seu parceiro usual, Oliver Laxe, e ambos não deixam fácil extrair algum significado disso tudo.
Amador Arias faz Amador Coro, um homem que acabou de cumprir a sentença de dois anos por iniciar um incêndio criminoso. Ele não é exatamente bem-vindo na cidade onde vivia, mas retorna para morar com a mãe e três vacas em uma vida serena no campo, não nos deixando perceber que este homem é um criminoso, o que nos faz pensar como é que um crimoso deveria ser. Sua mãe, que leva o mesmo primeiro nome de sua intérprete, Benedicta Sánchez, nos faz pensar como o roteirista Oliver Laxe não está interessado em criar personagens, pois sequer lhes dá um nome diferente para o elenco. Sánchez, é necessário dizer, também não se comporta como a mãe de um criminoso.
Quando o filme de Santiago Fillol nos entrega essa relação mãe e filho no campo e sabemos o que o filho pode ter feito – não há uma relação causal na história que nos permita afirmar convictos disso – o que ele está fazendo no fundo é usar a tensão inicial de árvores sendo derrubadas para sequestrar 100% de nossa atenção para o que virá, mas o que vem é a rotina completamente banal dessas pessoas, onde ações como esquentar o pão da manhã usando o fogo do fogão a lenha ou dizer algo contra os eucaliptos não é suficiente para apontar dedos.
Ele também evita usar o caminho contrário, mostrando como Amador é um filho atencioso ou carinhoso, e por isso suas ações passadas estão no passado. Entender um ser humano apenas através do pouco que conhecemos dele nos torna os piores juízes possíveis.
O Que Arde, por ser tão banal, acaba se tornando insuportável para a maioria dos espectadores. É uma história reta e sem emoções, mas estamos acostumados a nos chacoalhar no cinema, e acompanhar o tratamento de uma vaca enferma pode não ser o tipo de diversão que valeria um ingresso. No entanto, se o que busca é uma outra visão de aspectos mais internos do ser humano, como a questão da moralidade e da convivência em sociedade, este é um filme que lhe entrega justamente isso. Questões complexas são o combustível para pensar, e assistir um filme desses pode acender o pavio.
“O Que Arde” (Esp/Fra/Lux, 2019); escrito por Santiago Fillol e Oliver Laxe; dirigido por Oliver Laxe; com Benedicta Sánchez, Amador Arias e Elena Mar Fernández.