*o filme faz parte da cobertura da 43° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
[dropcap]N[/dropcap]as últimas 72 horas este é meu décimo-quinto filme e texto da Mostra de São Paulo, mas O Relatório não me cansou em nenhum momento pela história que quer contar. O que me desanimou profundamente foi constatar que estava assistindo a um documentário político em forma de ficção com uma das escalações mais inúteis que tenho memória.
Seu protagonista é interpretado por Adam Driver porque ele é um astro em ascensão (mais ainda depois que se tornou vilão em Star Wars), mas não porque este é um papel para ele. Sua atuação é inexistente, mas não é sua culpa. Driver não foi feito para fazer um funcionário público com motivações de investigar milhares de horas de depoimentos documentados pela CIA para descobrir por que eles apagaram 20 horas de vídeos de seus arquivos. Este filme não é Snowden, e Scott Z. Burns não é Oliver Stone.
Após nos dizer que esta história é baseada em depoimentos e registros da CIA, o filme nos introduz com um Daniel Jones (Drive) aparentemente sendo incriminado por desviar documentos da agência de investigação americana após ter se dedicado por ininterruptos cinco anos de pesquisa de um escândalo envolvendo torturas realizadas após o ataque terrorista às torres gêmeas. O filme irá voltar para este mesmo ponto em seu terceiro ato, mas com uma desonestidade incrível refilmado em outro tom, como se não tivéssemos percebido a mudança. E esta aparentemente é a grande reviravolta do projeto, fora o fato de, nos créditos finais, sabermos também que o filme inteiro é baseado em um artigo de jornal.
A primeira meia-hora de O Relatório pode ir de tedioso a insuportável, dependendo da paciência do espectador. Acompanhamos o início dessa investigação de Dan Jones e seu desenvolvimento ao lado da senadora que o propôs (Annette Bening, desperdiçada). Vamos aos poucos sendo apresentados aos outros personagens de ambos os lados desta história e para o outro lado é escalado Michael C. Hall (da série Dexter) como uma cara conhecida para lembrarmos qual o outro lado, que irá dizer alguns diálogos inúteis em um personagem que sequer conseguiremos nos lembrar a cada nova cena em que ele aparece.
Porém, após essa meia-hora e a descoberta de um elenco inusitado (para dizer o mínimo) a trama começa a engrenar. Nós não entendemos praticamente nada do que aquelas pessoas estão falando, mas a própria dinâmica que o filme introduz se torna ferramenta importante para aos poucos conseguirmos interpretar o resto do filme. E aí a história fica interessante. Não instigante, nem empolgante, pois não há tensão alguma por não sermos apresentados a nenhum protagonista com conflito construído. Adam Drive só está aí para ser uma das caras conhecidas e aumentar ou diminuir o tom de voz dependendo do estado das investigações, mas até o que ele fala é intraduzível. Apenas seus esforços é que são compreendidos e os obstáculos que ele encontra no percurso. Que é o suficiente para nos interessarmos.
O Relatório pretende ser um filme de investigação política empolgante como Snowden e tantos outros que o precederam. Ele se baseia em fatos documentados da história recente americana e possui um pano de fundo apelativo o suficiente para ser relevante.
Um fã da série House of Cards daria por satisfeito em 80% do filme, pois ele lida com detalhes legais e conflito político interno. Já um fã da série 24 Horas provavelmente já desiste na primeira meia-hora. Esse começo provavelmente é o verdadeiro muro que separa leigos dos aficionados pela Casa Branca.
“The Report” (EUA, 2019), escrito e dirigido por Scott Z. Burns, com Adam Driver, Corey Stoll, Evander Duck Jr., Jon Hamm, Linda Powell e Annette Bening.