O Segredo de Seus Olhos Filme

O Segredo dos seus Olhos | Enxergando o outro lado

Por vezes o cinema te faz olhar para um lado e no fim de tudo te deixar perceber que todas respostas estavam logo ali a distancia de suas mãos, ou de um outro olhar, sobre aquilo. O Segredo de seus Olhos, filme argentino que ganhou o Oscar de “estrangeiro” desse ano (e agora começa a ganhar uma distribuição comercial maior por aqui), é exatamente sobre isso: de como as vezes nosso olhar nos leva a enxergar o lado equivocado das coisas.

É fácil olhar esse novo filme do cineasta Juan José Campanella (mesmo de O Filho da Noiva e O Clube da Lua) e ver um thriller de assassinato sobre uma moça morta e uma investigação obsessiva, quando na verdade esse crime é apenas uma desculpa, talvez um pouco mais que isso até, uma engrenagem que move a verdadeira história do filme: aquela sobre o amor e como ele pode ser eterno, ainda que interrompido pelo destino.

Campanella deixa isso claro ao fazer questão de, a todo custo, tratar toda história como um “noir reticente”, que tem as ferramentas mas parece não conseguir usá-las do jeito que o clichê manda. Seus personagens não tem a “classe” que os detetives de hollywood tem, sempre meio “desarrumados”, tanto em suas aparências quanto por trás dela. Por outro lado, passam a encarnar seus papeis dentro de todo lugar comum ao encontrarem aquela moça morta, como uma obsessão, ou por que não, seu modo de acertar, pelo menos uma vez, em suas vidas, onde seus seus objetivos parecem sempre distantes enquanto esntão entulhados de montanhas de papeis, relegados a subalternos sem personalidade.

Espósito (vivido pelo parceiro de Campanella, Ricardo Dárin) é quem se sente mais atraído por essa investigação, talvez por olhar para o viúvo da vítima e conseguir enxergar uma paixão que ele próprio não é capaz de ter. Vendo naquela figura trágica, sentado em uma estação de trem a procura da face, quase, desconhecida do assassino no meio da multidão por dias a fio. Uma imagem da dedicação de uma paixão que ele próprio, Espósito, não vive, já quem nem ao menos consegue dirigir a palavra a seu amor. O Segredo de seus Olhos parte da premissa onde Espósito, já aposentado, decide escrever um romance sobre esse caso, sem perceber que na verdade parte sim em busca de uma segunda chance (além de um modo de encontrar um último fantasma que parece assombrá-lo).

É exatamente por tudo isso que Campanella se recusa a fazer um filme normalzinho, já que se mostra desesperado pelo desenvolvimento de seus personagens, preocupado em dar ao cinema essa mesma paixão com que eles vivem dentro dessa história. O espectador acaba o filme apaixonado por todos, e não só pela trama, graças a um trabalho intenso do diretor na hora de encará-los. Não com personagens da ficção, mas pessoas reais.

Partindo da premissa que o segredo de tudo está na direção de onde se olha, e do quanto um olhar “fala”, Campanella então resolve fazer com o apelido de “janela da alma” se torne uma verdade. Como se aqueles pares de olhos sempre contassem mais do que o espectador estivesse vendo na tela, indo naquele chamado “cinema clássico” onde os olhos dos atores eram as verdadeiras estrelas.

E é pelo olho da câmera que Campanella dá ao espectador uma das sequencias mais impressionantes dos últimos tempos no cinema: um plano sequencia que começa voando sobre uma Buenos Aires, iluminada apenas pelo estádio lotado do Racing, e acaba com o assassino sobrepujado sobre o gramado do campo. Uma câmera que “aterrisa” na arquibancada, treme com o gol do time da casa e fica de frente para o assassino quase por coincidência, assim como acompanha sua perseguição por todos o estádio antes do derradeiro fim. Uma sequencia que talvez tenha contado muito a favor de sua eleição na academia, não só pelo teor técnico, mas também por uma beleza indescritível (principalmente para os amantes das sétima arte).

Esse Oscar talvez tenha ido para nosso hermanos também por um certo final surpresa, que, com certeza irá pegar muitos desavisados (que por outro lado ficará claro para um outro monte de espectadores mais incautos), mas que (como todo final surpresa) só funciona graças a um trabalho em cima de todo resto do filme que condiz com aquilo e te faz olhar para trás e sentir o quanto essa surpresa é resultante de uma respeito narrativo. Espósito vai atrás de uma última chave de seu passado, e acaba exorcizando seus demônios, achando uma razão para tudo aquilo, e descobrindo, junto do espectador, que no fim, todo esse amor só tem sentido já que, durante todo resto do tempo, existiu uma identificação que cresceu a até se tornar uma paixão. Você com o filme e ele por sua chefe.

O Segredo de seus Olhos é um filme fino, muito bem amarrado, apaixonante e arrebatador, que sabe passear peles gêneros (suspense, drama e um bom humor sempre presente) com propriedade e eficiência, que surpreende no fim, mas faz um trabalho muito mais impressionante no resto do tempo.


El Secreto de sus Ojos (Arg/Esp, 2009) escrito por Juan José Campanella e Eduardo Sacheri a partir do livro “La Pregunta de sus Ojos” de Eduardo Sacheri, dirigido por Juan José Campanella, com Ricardo Darin, Soledad Villamil, Pablo Rago, Javier Godino, Guillermo Francella


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2 Comentários. Deixe novo

  • Por que você faz poema?
    26/04/2010 22:35

    Um exemplo de caminho que o cinema latino poderia seguir, inclusive o sempre oscilante brasileiro, embora seja um pouco diferente dos trabalhos anteriores de Campanella.

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