É difícil acompanhar O Tigre Branco e não se sentir afetado. Não existe nenhuma intenção do filme de ser simpático, cheio de esperança ou correto. Ele só é o que ele é: uma história sobre o sucesso de um homem diante de um mundo onde o seu sucesso não seria possível caso ele dependesse das justiças e méritos de seu trabalho duro.
O filme é baseado no best seller de Aravind Adiga e é um olhar visceral de uma Índia que está bem longe de Bollywood e do ganhador do Oscar, Quem Quer Ser Um Milionário. A adaptação ficou a cargo do próprio diretor Ramin Bahrani, americano de família iraniana e que, recentemente, assinou o remake do sci-fi Farhrenheit 451. Portanto, O Tigre Branco não é um filme indiana propriamente dito, o que não lhe tira o interesse, só parece acrescentar uma outra camada a ser pensada.
Sua história começa com um bem-sucedido Balram (Adarsh Gourav) contando sua própria história em um e-mail para o governo chinês, afinal eles irão enviar uma comitiva para a Índia e Balram que ter a oportunidade de apresentar seu empreendimento. O que vem depois disso não é uma história bonita de ser ver, mas precisa ser vista.
Da infância pobre até o sucesso, Balram vai desvendando essa Índia em um misto de inocência, violência, esperança e injustiças. Busca aquele país onde as camadas mais baixas da sociedade vivem em uma espécie de mistura suja entre tradição, religião e crime organizado. A última parte ficando à cargo das espécies de famílias que controlam e exploram esses vilarejos afastados. É em um desses que cresceu o protagonista, e é a partir da oportunidade de se tornar motorista dessa família que Balram vê se destino mudar.
Ele se torna então o motorista do um dos filhos do dono de seu vilarejo, Ashok (Rajkummar Rao), mais novo e vindo de uma educação nos Estados Unidos. Balram então vai com Ashok e sua esposa Pinky (Priyanka Chopra) para Nova Deli, onde ele tem a oportunidade de viver uma vida que lhe afasta um pouco dos dogmas do país.
É lógico que O Tigre Branco tem uma reviravolta por trás, principalmente, pois o futuro Balram bem-sucedido não teria como ter saído da função de motorista para chefe de nada. Estando na Índia, ainda movida por castas e uma separação entre camadas da sociedade violento e imóvel, sua transformação só seria possível diante da quebra dessa estrutura. O filme de Ramin Bahrani é então um pequeno tratado sobre essa ruptura.
Na verdade, enquanto vai mostrando todos absurdos que estagnam essa sociedade indiana e tenta entender a razão de não haver uma mudança, O Tigre Branco vai se permitindo ser também uma crítica intensa a esse sistema. Não que jogue o “olhar branco ocidental” e apenas se permita julgar, mas sim tenta entender. Ninguém está ali para ser julgado, nem a Índia, muito menos o próprio Balram, e isso dá uma camada ainda mais profunda ao filme.
A narração de Balram é um misto de acidez com inocência. Ele nunca finge ser superior àquele sistema, mas sabe o quanto ele tem as ferramentas para quebra-lo. Talvez o ponto principal do filme seja esse momento onde Balram aceita tomar o lugar de um de seus patrões na possível acusação de um deles em um crime. Mas curiosamente, não é esse momento que desperta nele essa vontade de mudar, ele serve apenas para o protagonista entender que é possível passar por cima da própria lei para chegar onde deseja.
Bahrani cria então um filme moderno e ágil, que vai acumulando essas impressões de que é possível aproveitar tudo que está errado para criar sua própria realidade. Quando mais perto do céu Balram chega, parece ser mais fácil ele sofrer com as mesmas injustiças de quando estava em sua aldeia. A diferença agora é que o protagonista tem mais possibilidades de quebrar essas correntes. O Tigre Branco é montado para esse momento, ele chega, mas talvez não seja aquele que o espectador padrão está esperando, e isso é um prazer enorme para seu espectador.
Enquanto o filme não julga, mas tenta entender, na verdade está ensaiando aquele momento onde você, do lado de cá da tela, terá que passar por cima de seus limites morais para aceitar o sucesso de seu herói. Sua vitória na vida depende da tragédia de outros, mas talvez esse seja o único jeito de descontinuar essa roda que só sabe conviver com a violência empurrando-a.
Adarsh Gourav constrói esse personagem através da possibilidade de transforma-lo sutilmente enquanto vai descobrindo como deixar para trás o velho Balram. Seu trabalho é impecável, divertido e poderoso, não deveria ser esquecido pela temporada de premiações do ano.
E ainda que o provável plano genial que transforme a vida de Balram não seja lá tão genial assim e premia uma metade final menos empolgante e dinâmica do que a primeira, O Tigre Branco não deixa nunca de ser uma história sobre como certas mudanças não conseguem ser feitas a partir da esperança e do trabalho duro. Certos pneus furados não precisam de um pneu sobressalente, mas sim de uma explosão que destrua o carro inteiro.
O Tigre Branco tem uma pontinha de esperança em sua sequência final, onde Balram consegue, realmente imprimir aquilo que acha certo, mas não tem uma dança final como um filme de Bollywood. Tem uma provocação, afinal seu espectador irá ter que lidar com esse final feliz enquanto julga sua própria felicidade e carinho por esse personagem. O Tigre Branco te provoca enquanto Balram te olha nos olhos e te desafia a permanecer salvo de seus julgamentos.
“The White Tiger” (EUA/Ind, 2021); escrito e dirigido por Ramin Bahrani; a partir do livro de Aravind Adiga; com Adarsh Gourav, Rajkummar Rao, Priyanka Chopra, Manesh Majrekar e Vijay Murya