*o filme faz parte da cobertura da 43° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
[dropcap]P[/dropcap]arte da biografia oficial de Giacomo Casanova, uma mistura entre aventureiro, “bon-vivant” e relator dos costumes da época, O Último Amor de Casanova é um filme absurdo, lamentável e terrível. Ele não possui um elenco necessário, apenas objetos no cenário para dizer suas falas. Não estabelece conexão com o espectador, mas flerta com a possibilidade de acharmos seu protagonista e suas aventuras amorosas dignas de importância por motivos históricos.
Ele gira em torno do único interesse amoroso do conquistador que de acordo com ele próprio não se tornou sua amiga, e por “conquistador” entenda por alguém com dinheiro e fama que compra suas companheiras, e “amiga” por alguém que ele tem acesso aos seus órgãos genitais. Essa pelo menos é a impressão do filme, muito embora não esteja muito longe dos costumes da época. A biografia de Casanova se tornou por muito tempo uma visão fiel (e abominável) do final do século 18 na Inglaterra.
Casanova só fala francês, mas podemos ouvir pessoas falando inglês por toda a parte, em uma imersão de um forasteiro em terras estrangeiras. Tudo isso são metáforas? Há alguma mensagem codificada nos detalhes do longa? Nunca saberemos, pois há uma distância entre espectador e filme intransponível. A fotografia é muito escura, naturalista, que vai piorando com o tempo. Se há algo claro em …Casanova é que ele faz um esforço sutil, mas constante, em destituir esse período da História de todo glamour, pomposidade e romance que estamos acostumados de outros filmes.
A ideia por trás da fotografia escura lembra filmes como Barry Lyndon, de Kubrick, que insistiu em usar iluminação da época, velas e candelabros, para iluminar não apenas o cenário, mas o set de filmagens, o que se torna uma diferença prática que contou com uma tecnologia desenvolvida na Nasa. Porém, em …Casanova o clima sempre é cinzento, o que faz com que até durante o dia tudo seja escuro e apagado de vida.
Isso é uma descaracterização, pois projeta no espectador a impressão que as pessoas da época enxergavam daquela maneira. Causa perda de cores, e todos aqueles figurinos vistosos que estamos acostumados a ver se tornam meros rabiscos eventuais em torno de um cinza quase opressivo. A trilha sonora também paga o preço, sendo inexistente ou apenas dentro da história. E a filmagem das cenas são feitas em planos longos que trazem um aspecto realista pelo movimento e onírico pela câmera que flutua, o que remete diretamente à Arca Russa, trabalho monumental do diretor russo Alexander Sukarov que quis e conseguiu filmar um longa inteiro em uma única tomada.
Todos esses traços estéticos são possíveis de serem notados sem pressa porque a história de Jérôme Beaujour se arrasta. Quase totalmente centrada na conquista frustrada de Casanova e sua pretendente, contada em flashback no momento em que ele escrevia sua biografia, com a ajuda de uma mulher, claro, a história não tem uma trama em si, mas se recarrega a cada novo momento dessa conquista. E enquanto vemos mais do mesmo refletimos sobre fotografia, sons e objetivos.
A direção nem sempre coesa de Benoît Jacquot (3 Corações) também não ajuda. Jacquot não possui o menor interesse que o espectador se interesse, preferindo deixar a história fluir no automático. O problema aí é que não se trata de uma história lá muito empolgante, e fica ainda pior quando o diretor não nos mostra o caminho para fora desse labirinto de características escolhidas a esmo.
O Último Amor de Casanova possui uma virtude frente a tantos trabalhos que retratam a nobreza da época como algo mais pulsante. Ele é chato. Intragável. Em uma versão oposta de A Favorita, este é um filme de época que realmente nos dá a impressão de como era fácil se entediar naqueles anos. E nem junto das aventuras de Casanova nos salvamos.
“Dernier Amour” (Fra, 2019), escrito por Jérôme Beaujour e Giacomo Casanova, dirigido por Benoît Jacquot, com Vincent Lindon, Stacy Martin e Valeria Golino.