O Vencedor | Bale, Leo e Adams são a alma do filme

É impossível não achar que o diretor David O. Russel deu uma enorme sorte em seu O Vencedor, é só dar um passo para trás, olhar o retrato por inteiro e perceber que tudo poderia dar incrivelmente errado. Por sorte não deu.

Entre o quarteto de cérebros que escreveu o filme (roteiro e história), suas biografias passam por besteiras com Mod Squad e até pelos filmes do cachorro Bud. Assim como seu elenco vinha encabeçado pelo mesmo Mark Wahlberg que foi indicado ao Oscar por seu trabalho em Os Infiltrados, mas que depois disso resolveu se aventurar um pouco demais (Fim dos Tempos, Max Payne…). Até o próprio Russel não seria um daqueles diretores em que se pode confiar as fichas. Por fim, a própria história do boxeador que acaba tendo uma nova chance, mas tem que escolher entre ela e a família também não empolga, porém, três fatores acabam carregando tudo isso para um patamar maior: Christian bale, Melissa Leo e Amy Adams.

É lógico que pode parecer clichê citar os três agora, depois que seus trabalhos vêm sendo elogiados por tudo e todos, mas é impossível não perceber o quanto esses três fazem com que “O Vencedor” não caia em uma produção de boxe qualquer.

Ainda que o filme seja sobre a história desse boxeador, Micky Ward (Wahlberg), que durante toda carreira serviu de “trampolim” para seus adversários subirem em suas carreiras, mas consegue, no fim das contas, ainda tirar forças para uma volta por cima, é justamente esse triângulo que o cerca que faz o filme funcionar. Sem essas três geniais atuações ao seu redor, O. Russel teria que sustentar seu filme nas costas de Wahlberg, que é esforçado, mas, definitivamente, não funciona sozinho.

O filme começa com um esquálido Christian Bale, acelerado e incomodado dentro de suas limitações físicas, como se seus gestos não conseguissem permanecer só dentro daquele esqueleto, de olhos fundos e perdidos, logo depois entra em cena seu irmão Micky. Bale é Dicky, irmão mais velho e treinador do protagonista, um ex-boxeador que teve sua chance, mas deixou-a passar (mas que ainda vive do passado de ter derrubado Sugar Ray Leonard) e agora é apenas uma sombra, viciada em crack, daquele atleta. É ele quem puxa o filme, quem toma a frente do drama e permite que seu irmão, Micky, tome as mais dolorosas decisões para continuar a lutar.

Mais uma vez, como fez em O Operário, Bale não só emagreceu para o papel, como não deixou à vista uma só pontinha daquele mesmo cara que interpreta o Batman nos filmes de Christopher Nolan. Não só pela aparência física, mas em um trabalho tremendamente sensível de composição (ou decomposição, se preferir) e transformação nesse arremedo de ser humano movido pelo vício e pela obsessão de fazer que seu irmão seja o campeão que ele não foi, talvez, o mesmo sentimento que mova sua mãe, Alice (Melissa Leo), empresária do filho.

Com a mesma força de Bale, a veterana Leo (não pela idade, mas pelo tamanho da carreira) desaparece por trás dessa mãe controladora que parece liderar esse séquito de filhas loiras verborrágicas, mas parece não ter olhos para um filho decadente (Dicky) nem para as verdadeiras necessidades e esperanças do outro (Micky). O grande acerto de Russel e do roteiro aqui é não usá-la como válvula de escape para a ausência de uma espécie de vilão (obviamente, não no sentido “james bondiano” da palavra, mas como aquele personagem que impede o herói de ir para frente). Sua Alice é, antes de qualquer coisa, uma mãe que vive à sombra de seu filho e acredita estar fazendo o melhor para ele. Mas isso só acontece graças à enorme sensibilidade da atriz, que faz todos se permitirem acreditar nessa mãe. Em um momento repleto de emoção, Leo e Bale, cantam um pequeno dueto dentro de seu carro, com um choro emocionado que mostra que os dois são, na verdade, almas perdidas, cada uma ao seu jeito, diante de vícios que tomaram completamente suas vidas.

Na terceira ponta, Amy Adams (que vem surpreendendo a cada papel que faz, desde Encantada), como Charlene, é o contrapeso do protagonista em relação a sua família autodestrutiva, e para isso Adams não economiza em uma personagem que não tem outra escolha a não ser equilibrar a força do outro lado para não ser esmagada por ele, talvez, do mesmo modo que tenha acontecido em A Dúvida (onde tinha Meryl Streep e Phyllipe Seymour Hoffman pela frente). Charlene pode até ser confundida, por um momento, como um simples interesse amoroso do protagonista, mas logo se dá conta que é, na verdade, não a consciência (o que seria simplista demais), mas aquele empurrão que ele precisa para tomar as decisões certas.

O Vencedor não sobreviveria sem esses três e ponto final. Ainda mais quando Russel, e o roteiro, parecem exageradamente preocupados com a veracidade dos fatos e impedem o filme de decolar, de dar um segundo passo em direção a um drama sobre um boxeador e uma família com quem tem que lutar fora do ringue (longe de comparar, mas Scorsese e seu Touro Indomável tiveram essa coragem e até Rocky – um Lutador conseguiu tratar melhor do assunto). Se por um lado Bale, Leo e Adams fazem tudo ficar melhor (o roteiro, o drama e até uma leveza que o filme se permite ter com alguns risos), por outro, sem dúvida nenhuma, fazem com que Wahlberg se torne um coadjuvante em sua própria história, ainda que isso acabe sendo o melhor para o filme.

É preciso lembrar que seja, muito provavelmente, uma enorme humildade de Wahlberg que mais permita o filme se manter em seus eixos, uma que não atrapalha o diretor na hora de ter que optar para onde olhar com suas lentes (sempre para o trio de protagonistas), e, mais ainda, por saber que, como ele já é o centro das atenções, não precisaria de muito para ser o mais importante da história, mesmo ficando um pouco de lado.

Sem esse elenco afinadíssimo, O. Russel talvez não tivesse conseguido se desviar de uma certa vontade que parece florescer, um ou outra vez durante a segunda metade, de ser apenas um filme sobre boxe, com treinamento de agasalho cinza pelas ruas da cidade e uma (essa foi inevitável!) luta final, onde o personagem dá a volta por cima (em um outro momento, também não consegue fugir do momento Karate Kid, com uma espécie de “golpe especial” ensinado pelo irmão, que não tem a perna levantada, mas tem o mesmo efeito devastador). Por sorte, o roteiro consegue encaixar tudo isso de modo hábil, por mais que em certo momento pareça ser um pouco longo demais, se bem que, se soubesse do show que Bale, Leo e Adams fossem dar, talvez tivesse valido a pena que o roteiro permitisse mais algumas horas de filme.


The Fighter (EUA, 2010), escrito por Scott Silver, Paul Tamasy & Eric Johnson (a partir de uma história dos dois com Keith Dorrington), dirigido por David O. Russel, com Mark Wahlberg, Christian Bale, Amy Adams, Melissa Leo, Mickey O´Keefe e Jack McGee


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