[dropcap]O[/dropcap]kja é aquele filme dirigido pelo coreano Joon-ho Bong que acabou participando de uma polêmica no Festival de Cannes esse ano, afinal, é uma produção da Netflix que concorreu à Palma de Ouro, não estreou em mais nenhum cinema e fez até o festival mudar as regras para o ano que vem. Mas tirando isso, Okja não tem muito mais nada a ser discutido.
Bem verdade ele é até um pouco pretensioso ao misturar quase uma fábula sobre amizade com uma vontade de levantar uma bandeira pertinente, mas isso acaba não empolgando tanto quanto poderia.
A fábula diz respeito a essa garotinha Mija (Seo-Hyun Ahn) e sua “amiguinha” Okja, uma superporca que na verdade é o resultado de uma manipulação genética de uma grande corporação controlada por essa biotécnica saída de algum desenho animado colorido, Lucy Mirando (Tilda Swinton). O problema é que a ideia da empresa passa tanto por “acabar com a fome”, quanto por criar um animal onde “tudo pode ser comido, menos o grunhido”. E para conquistar seu público, uma série de agricultores criou esses superporcos, que é o caso de Okja.
O problema é que dez anos depois, a Mirando pode então colocar seu produto no mercado, e “taste fucking good”. Mas se depender de Mija isso não vai acontecer, já que ela sai em uma busca frenética para resgatar sua amiga, até trombar com um grupo de protetores de animais liderados por Jay (Paul Dano).
Nesse meio todo ainda surge um Jake Gyllenhaal despirocado e maluco como apresentador dessa competição. E se seu exagero pode parecer meio over para alguns… bom, é over mesmo e o ator perde a mão.
Enfim, uma grande salada, mas pelo menos uma trama bem segura e que navega bem por toda essa loucura. Melhor ainda, Joon-ho Bong ainda consegue imprimir uma sequência de ação incrível e empolgante que passeia pelas ruas de Seul. Mas infelizmente isso não vai mais longe.
Okja tem um começo espalhafatoso e um pouco depois essa sequência, mas aos poucos esse ritmo vai ficando de lado e perdendo o interesse. Mantém aquela bandeira levantada, mas não quer se aprofundar nisso, mas sim apenas seguir essa linha farsesca e fabulesca. Como se tudo fosse uma grande brincadeira até meio inconsequente, mesmo diante de uma realidade triste dentro de um laboratório ou de um matadouro. Como se Bong não desse um passo além diante dessas mazelas e preferisse continuar contando sua história.
Curiosamente, toda filmografia do cineasta mostra exatamente esse diretor firme em suas histórias, mas sem nunca ter tentado conviver com qualquer tipo de crítica à sociedade (Ok… consumismo e propaganda vem sendo levemente discutido por ele nos últimos filmes). O que nem de perto prejudica suas obras, só mostra que isso nunca foi importante e se é em Okja, ele não parece se importar com isso.
Expresso do Amanhã e O Hospedeiro dialogam com essa fantasia como metáfora para a vida de seus protagonistas, assim como Mother é um labirinto de emoções e Memórias de um Assassino (o melhor deles) esse mosaico de impressões. Todos incrivelmente vigorosos, intensos e duros, mas também completamente diferentes do muito mais leve e menos interessante de Okja.
O que não diminui o filme em nada, mas não permite que ele tenha quase nenhumas das qualidades cinematográficas pelas quais Bong é hoje reconhecido como um dos cineastas mais interessantes do mundo.
Felizmente, o diretor consegue ser preciso e toda e qualquer mensagem que ele pretende passar, o espectador vai entender. Como quando ele cria uma criatura inteligente e pronta a se sacrificar pela protagonista com apenas uma sequência de perigo em um penhasco.
Mas isso não empolga no resto do tempo, principalmente, pois acompanha uma história quase egoísta da personagem, somente preocupada com Okja e nunca tentando fazer nada pelo mundo ao seu redor. Por um lado, deixando essa responsabilidade para o grupo de protetores de animais, mas por outro, amornando o resultado geral.
Entretanto, esse tipo de escorregão pode até diminuir a força de Okja, mas nunca prejudicar as ambições do diretor de discutir um assunto e, quem sabe, fazer você ficar sem a vontade de comer carne por alguns dias depois do fim do filme. E se mesmo assim não se sentir vingado no final de tudo, não deixe de esperar o final dos créditos para saber que a luta continua.
“Okja” (Cor/EUA, 2017), escrito por Joon-ho Bong e Jon Ronson, dirigido por Joon-ho Bong, com Tilda Swinton, Giancarlo Esposito, Jake Gyllenhaal, Seo-Hyun Ahn, Steven Yeun, Paul Dano e Lily Collins