Os Descendentes

É interessante como certos diretores parecem surgir do nada e arrebatar um número enorme de fãs. Alexander Payne é um desses tipos, principalmente por parecer que sua carreira de quatro filmes (e ainda mais dois bem menores de começo de carreira) tem muito os descendentesmais tempo do que pouco mais de uma década. Talvez sejam suas repetidas presenças no Oscar.

Os Descendentes então tem um pouco de tudo isso, incluindo cinco indicações aos prêmios da Academia e a enorme expectativa de seus fãs. Mas talvez o que seu novo filme mas tenha em relação aos seus outros seja sua evolução narrativa, já que Os Descendentes mostra que talvez Payne seja mesmo um cineasta a ser acompanhado de perto.

Como lhe é característico, Payne aqui não narra só uma história, mas, muito mais que isso, procura entender um personagem, nesse caso o advogado Matt King (George Clooney), nascido no Havaí e descendente de uma linhagem que começa lá atrás com uma princesa havaiana que se casa com um banqueiro. Entretanto, Os Descendentes seja sobre sua esposa, que sofre um acidente e acaba em um estado vegetativo, obrigando-o a lidar com as duas filhas, e com uma espécie de legado que ela acaba deixando em suas costas, para o bem ou para o mal.

A parte de sua descendência se dá pela presença de um enorme pedaço de terra que ele e seu número enorme de primos estão prestes a vender por alguns milhões. Mas como se não bastasse todo esse peso, King ainda tem um agravante ao descobrir que sua esposa à beira da morte mantinha um caso. Resumindo, bom talvez seja difícil resumir tamanho desastre.

Mas é, justamente, tudo isso que Payne mais vai à procura para enriquecer seu personagem central, soterrado pelo peso de suas decisões e sem conseguir olhar para um lado sequer sem ter um problema para resolver, provando para todos que seu discurso inicial não é mentira, já que, às vezes, morar em um dos paraísos da Terra talvez não seja só flores e ondas. A sorte dele é que Payne tem planos melhores para ele.

Os Descendentes é inspirado no livro de Kaui Hart Hemmings e é escrito pelo próprio diretor em parceria com Nat Faxon e Jim Rash (esse último conhecido pelos fãs da série Community por ser o reitor da faculdade) e não quer contar uma história trágica, mas sim bem pelo contrário, buscando a esperança de, mesmo no meio de todo furacão, tentar fazer a coisa certa. Os Descendentes, de modo sutil e conquistador, é então sobre saber perdoar e conseguir viver a vida que aqueles que já se foram deixaram para ser vivida.

Mas talvez quem mais salte aos olhos em Os Descendentes seja a atuação brilhante de George Clooney. Mais maduro e seguro do que nunca, talvez rivalizando com o desprendimento e controle narrativo de seu trabalho em Syriana, Clooney some por trás do personagem e consegue demonstrar, com precisão, cada sentimento conflitante que seu personagem precisa encarar, e olha que não são poucos. Payne procura com seu filme delimitar o que parecem ser “novos estágios de luto” para seu personagem, e Clooney encara com prazer esse desafio. Passa da dor da perda ao incômodo de ver tudo que acreditava ser uma mentira, como se estivesse sobrando dentro de uma camisa apertada depois de uma corrida tão característica ao personagem que todos no cinema vão ter a certeza de que era exatamente daquele modo que o personagem deveria correr em uma situação daquelas.

Mais que simplesmente um par de olhos, Clooney controla todo seu personagem sem que aquilo pareça nada a não ser a realidade, a naturalidade. De modo dinâmico, a cada momento da trama Clooney é obrigado a, sutilmente, criar quase um novo personagem dentro daquele mesmo, um que passa a querer se vingar de sua esposa, que depois encontra a paz no perdão, aceita a situação e acaba descobrindo que, talvez, tudo aquilo, toda aquela provação, venha em sua direção para lhe provar que ele conseguiria sim, tomar todas as decisões acertadas.

E é a partir disso que Payne mais se sobressai, como vem fazendo em todos seus filmes. Como com Matthew Broderick e Reese Witherspoon em A Eleição, Paul Giamatii em Sideways e Jack Nicholson e As Confissões de Schmidt, aqui o diretor tem a percepção de que, não só seu personagem é o centro das atenções, mas que também está nas mãos de um ótimo ator, ótimo o suficiente para que ele possa se perder apenas olhando para ele com sua câmera enquanto, valorizando mais ainda, não só Clooney, mas sua história, que no final das contas é mesmo sobre seu personagem.

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Não que isso exima Payne de qualquer qualidade técnica (até por que arrancar essas atuações já é uma qualidade suficiente), mas sim lhe permite ser um pouco mais que isso, como se lhe permitisse ir em busca de mais que só uma imagem bonita. Payne vai então na direção da profundidade de seus personagens, reprimindo o choro de uma das filhas com um mergulho na piscina, já que ele não permitiria que ela tivesse tal sentimento (sendo ela a única que sabia da traição).

É também um ás na manga de Payne essa facilidade com que ele, sutilmente, torna seu filme simpático a um punhado de risos deliciosos, que não parecem caber naqueles momentos, mas que são impossíveis de serem ignorados. Talvez resultado da presença de dois comediantes no roteiro, mas, mais ainda, por Payne não se mostrar preso ao drama, mas sim a sua situação, convidando seu espectador a se divertir com aquele instante que, no mundo real, talvez não pudesse rir, mas que, com certeza, teria tal opção passando por sua cabeça. Em vários momentos Os Descendentes é como aquela piada contada em um velório, aquela feita com tanto cuidado e bom gosto que até o viúvo e família da velada acabam dando risada.

Muito menos refém de qualquer trama e muito mais a vontade diante de seus personagens e dos caminhos que devem percorrer, Os Descendentes talvez seja o filme mais maduro de Payne, não pelo assunto (já que nesse caso, …Schmidt e Sideways se colocam muito mais adultos), mas sim pela desenvoltura de discutir um assunto tão sensível como a morte e como ela pode inocentar as pessoas daquilo que fizeram em vida, já que o ciclo se fecha e sobra para quem fica achar um significado para tudo aquilo. Um filme que mostra no choro da filha menor, alheia a todos os problemas e ainda descobrindo o mundo, e provando que, talvez, certas verdades sejam feitas para permanecerem escondidas (ou perdoadas) diante da perda, já que o legado de quem se vai é sempre insubstituível e dar valor a isso é uma benção. Seja por uma porção de terra, seja por um ente querido.


The Descendants (EUA, 2011) escrito por Alexander Payne, Nat Faxon e Jim Rash, a partir de uma obra de Kaui Hart Hemmings, dirigido por Alexander Payne, com George Clooney, Shailene Woodley, Amara Miller, Nick Krause, Patricia Hastie, Beau Bridges, Judy Greer e Matthew Lillard.


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