*o filme faz parte da cobertura da 43° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
[dropcap]O[/dropcap]s Olhos de Cabul veem tudo, menos que se está falando francês em pleno Afeganistão. Essa animação ganhou o prêmio “Um Certo Olhar” em Cannes e agora está sendo exibida na Mostra de São Paulo. Uma viagem honesta e sutil de uma realidade crua de uma sociedade tomada pela opressão e violência, mas que vez ou outra surgem seus heróis.
Mas esses heróis estão acabando. As pessoas aprendem o “status quo” por repetição. Crianças já se divertem jogando pedras onde um cachorro bebe água ou jogando futebol com cordas de enforcamento na trave. Por mais bons que sejam, homens vivendo nesse ambiente se corrompem lentamente. A história contida aqui mostra um pouco desse processo.
Começa com um apedrejamento. Um ex-professor de história, enquanto assiste à barbárie sendo ocorrida em local público, de maneira mecânica lança também a sua pedra. Ele não sabe por que, mas ele realiza a ação, e logo depois a ideia do que acabara de fazer o assombra.
Sua mulher é uma desenhista, e é claro que não pode fazer nada exceto se trancar dentro de casa. Antigamente o casal ia de mãos dadas na livraria, ou até no cinema da cidade, agora em ruínas. Há uma sequência particularmente tocante que faz a transição das duas épocas. Essa mulher acredita em um futuro melhor e claramente é quem torna aquele homem transtornado um ser humano melhor. Mas isso tem prazo de validade. A moral imposta pela lei muçulmana da Sharia é impetuosa e aos poucos entra na mente dos que resolveram continuar na cidade se Cabul.
Há outro casal no filme, mais velho e que já se encontra possuído pelos valores daquela sociedade. O filme adentra no pouco que resta de humano daquelas pessoas. Ele é o carcereiro que toma conta das mulheres que serão executadas. Ela sofre pelo seu câncer terminal, mas se mantém servil ao seu marido, cozinhando uma comida que ele não sente mais vontade de comer. No momento em que a vida desses dois casais se encontram algo mágico acontece, mas a essa altura do longa fica difícil acreditar na magia.
Os Olhos de Cabul é uma animação de traços despojados que entrega uma história simples que se revela em seus detalhes a sua mensagem. Ela não procura exaltar seus poucos heróis, mas demonstrar como eles ainda são possíveis. E nos faz pensar até quando será possível.
“Les Hirondelles de Kabou” (Fra/Lux/Sui, 2019), escrito por Zabou Breitman, dirigido por Zabou Breitman e Eléa Gobbé-Mévellec, com Simon Abkarian, Zita Hanrot e Swann Arlaud.