Os Sonhos de Pepe pode ser confundido com campanha política, mas para evitar isso a câmera do diretor Pablo Trobo adota a postura do ex-presidente do Uruguai no exato tom do ex-vice-presidente americano Al Gore à época do seu Uma Verdade Inconveniente. Ah, agora sim. Se bem que menos pessoas estão comprando a ideia do mundo acabando por conta do aquecimento global porque ele… veja bem, não acabou na data que Al Gore dizia.
Mas sempre haverá os “neo malthusianos” divulgando as más novas que o planeta não suporta mais tanta gente. Alguns tocam na mesma tecla, como Pepe, que vemos no filme dizendo acho três vezes que o mundo inteiro não pode viver como um americano médio.
O documentário é um compilado visual e discursivo do político, agora travestido de ativista, durante suas viagens pelo mundo (notadamente EUA, Europa e Japão) junto do “Movimento 2052”, o mais novo movimento ecológico cujo ano dos ajustes de emissão de carbono foi adiado (de novo). Sua missão enviesada é avisar que precisamos de políticos, mas que eles não deveriam ser tratados com tapete vermelho.
Por mais que Pepe seja um ótimo orador, a narrativa chega uma hora que fica repetitiva e cansativa. Os planos para o futuro moldados no filme com efeitos visuais do presente encaixam os elementos do discurso no horizonte dos lugares filmados, embora em dado momento o filme “se esqueça” desse uso de linguagem e deixe de usar o artifício.
Por outro lado ele passa a usar um muito mais eficiente: ele “traduz” os discursos do personagem-tema independente de onde esteja. Então, por exemplo, a população japonesa ouve atentamente o que o uruguaio diz em espanhol. Claro que ele está discursando em espanhol e o áudio que os nativos ouvem está traduzido no idioma local, mas uma virtude do longa é manter esse detalhe transparente aos nossos olhos.
Enfim, quando não há invencionices com computação gráfica e quando o filme não tenta chamar atenção para si mesmo é que surgem os melhores momentos do longa, onde ele fica mais sóbrio. A sobriedade cabe bem ao discurso alarmista que ouvimos. Só faltou um contraponto que dê complexidade ao assunto. Infelizmente chegamos ao limite da chamada “Era dos Extremos”, e o capitalismo, conhecido vilão, já não tem defensores do lado da tela. Independente da opinião do espectador, este há de concordar que quando não há um contraponto a mensagem dita é esquecida rápido, pois soa mais propagandista que parte de um debate em andamento.
Talvez a maior perda dos sonhos lúcidos seja o monólogo inconsciente das mesmas vozes ecologicamente conscientes.
“Los sueños de Pepe – Movimiento 2052” (Uru/2024); escrito e dirigido por Pablo Trobo; com Pepe Mujica.