De todas categorias do Oscar, talvez uma das mais interessantes é, com certeza, ¿Melhor Curta de Animação¿. E em 2018 isso não é diferente, já que, como sempre, passam por ali sempre um mosaico de estilos e ideias que, infelizmente, muito pouca gente acaba tendo acesso.
Geralmente, as produções acabam passeando por um circuito de festivais ou até são divulgados mais localmente, com exceção sempre do candidato da Pixar/Disney que, na maioria das vezes, chega aos cinemas do mundo inteiro atrelado a alguma outro superprodução do estúdio.
Ano passado, por exemplo, Piper esteva nas copias de Procurando Dory e levou a estatueta, assim como alguns anos antes o tocante Paperman (2012), o já clássico For The Birds (2000) e ao primeiro prêmio da Pixar, Geris Games em (2000) estavam, respectivamente, nas cópias de Detona Ralph, Monstros S.A. e Vida de Inseto.
E se alguém tem dúvida da supremacia da Disney na categoria, com 48 indicações, ela já levou para a casa 18 estatuetas, com a Pixar (quase Disney) já tendo sido lembrada em 14 oportunidades e ganhado em quatro delas. E esse ano não poderia ser diferente, ainda que o representante da ¿casa do Mickey¿ acabe sendo o menos interessante.
LOU
Lou estreou nos cinemas junto de Carros 3 e conta a história de uma criaturinha que vive na caixa de ¿achados e perdidos¿ de uma escola infantil. Sua função é guardar todos aqueles pertences e brinquedos que ficam abandonados quando o sinal toca e o recreio acaba, até que entra em um conflito com um valentão.
O filme vem com uma animação em 3D comum, com o mesmo estilo e texturas da grande maioria das produções da Pixar, o que demonstra que o cuidado em ser único ou testar algum tipo de tecnologia não está presente.
Por outro lado, a simpatia da situação e o final que pode arranca uma ou outra lágrima em quem conseguir cair de cabeça na história, até fazem com que LOU (que na verdade é uma brincadeira com as letras sumidas da caixa de ¿Lost and Found¿) se mostre uma animação interessante. Mas a caracterização da criaturinha não pega ninguém pela simpatia e uma falta de maiores surpresas deve fazer com que ele seja rapidamente esquecido.
Dear Basketball
E falando em ¿Disney¿, talvez o grande vencedor da noite seja Dear Basketball, que tem Kobe Bryant no foco, mas tem um cara que marcou a Disney, fazendo o ¿trabalho sujo¿.
A animação nasce de um pequeno poema que o jogador de Basquete escreveu na época do anúncio de sua aposentadoria, e quanto o texto por si só já tem uma carga emocional interessante e uma sensibilidade à flor da pele e que demonstra um amor pelo esporte e o quanto isso mudou a vida de Bryant, quando entra em quadra Glen Keane e John Williams, o jogo fica ganho.
Bryant narra seu poema enquanto Keane, que já foi um do maiores nomes da animação das Disney durante décadas (enquanto ainda nem tudo era 3D), rabisca quase um fluxo de pensamento poético que mistura o menino com uma boa de meia em seu quarto, os sonhos com o basquete profissional e o atleta dos Los Angeles Lakers que pode ser considerado um dos maiores da história do esporte. Enterradas, dribles, flashs e a emoção das palavras de Bryant parecem se embaralhar em um balé que brinca com o visual de esboço e se permite ter uma personalidade marcante e que vai acompanhar por muito tempo quem tiver a oportunidade de conferir o curta.
E tudo isso orquestrado por mais uma trilha épica do gênio John Williams. Pronto, jogo ganho e de lavada.
Garden Party
Por outro lado, nada impressionará mais os espectador do que o francês, Garden Party. A história é simples à primeira vista, com um grupo de sapos invadindo uma casa que parece abandonada. Aos poucos a animação vai construindo uma narrativa que conversa com o suspense e, por fim, surpreende o espectador, que não sabia estar dentro de um ¿filme de crime¿.
Mas não é só isso que impressiona, mas sim o visual. Se aqueles sapos não tivessem pequenas expressões e reações tão sutilmente humanizadas, seria fácil acreditar que estivessem frente a frente com alguns bichos reais, em uma casa abandonada real e com macarrons e caviar bem reais.
A leveza da pequena e esguia perereca nadando pela piscina lodosa no começo é um espetáculo à parte, assim como seu brilho e suavidade contrastando com a grosseria do sapo. Garden Party é um show para os olhos e uma daquelas oportunidades de acompanhar uma história sendo contada através de detalhes e de um simpático grupo de sapos que não estão nem ai para a verdadeira trama.
Revolting Rhymes
Mas meu preferido vem da Inglaterra cheio de sequestros, corações comidos, tiros, casacos de pele, sete ex-jockeys e um lobo em busca de uma vingança, tudo rimando e desconstruindo três dos maiores contos de fadas da história da humanidade.
A primeira parte desse Revolting Rhymes, mistura Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho e os Três Porquinhos em um trama moderna e violentamente lúdica. Na história, a mais cumprida entre os indicados, com quase meia hora, um lobo vestido de sobretudo conta a história de seus dois sobrinhos e de seus envolvimentos com esses outros personagens.
Mas não espere nada que você já conheça. Revolting Rhymes é colorido e emula um stop motion com jeitão de bonecos esculpidos em madeira, mas vem carregado de um humor sutilmente caótico e ácido, com um ritmo que se entrelaça com as rimas do narrador e de alguns personagens e fecha com uma vontade de surpreender.
Com um roteiro extremamente divertido e soluções inteligentes e surpreendentes, Revolting Rhymes sabe lidar tanto com suas possibilidades visuais, quanto com a sua capacidade de contar uma nova história, mesmo sendo aquela mesma que todo mundo já conhece.
Negative Space
Por fim, o único que eu não consegui ver, Negative Space, é um stop motion com jeitão de silencioso e sensível, que mostra a relação entre pai e filho através da ausência do primeiro e da incrível capacidade do segundo de arrumar malas (pelo menos foi isso que eu pude tirar do trailer e sinopse).
De qualquer jeito, a animação de cinco minutos parece ser aquela produção com cara de independente que sempre surge como azarona na categoria, mas que, diferentemente das outras, que já tem uma estrutura por trás, é quem mais precisa das portas abertas por uma indicação ao Oscar.
Deve ser também aquele exemplo de filme menor, sensível e cheio de significado que todo mundo acaba torcendo, já que sabem a diferença que uma estatueta deve fazer para eles.
E isso ainda que, muito provavelmente, mesmo com a minha torcida para Revolting Rhymes, no dia do Oscar quem deve levar o prêmio para casa seja mesmo Kobe Bryant, Glen Keane e John Williams.
ATUALIZADO ¿ Sim, Negative Space é tudo aquilo que eu já tinha previsto, só com o adendo de um monte de simpáticas peças de roupa surgindo ludicamente como animais, água e cidades. Mas a cara de independente, a relação do pai com o filho e o jeitão silencioso, tudo está exatamente onde eu imaginava.