Pacifiction é todo seu protagonista. Aliás, nem é pelo personagem. É pela atuação. Benoît Magimel não nos deixa pensar em outra coisa durante 160 minutos de projeção. A cada movimento de ombro, a cada lábio estendido mostrando seus dentes, a cada diálogo equivocado e inflado, a cada passada de mão em seu cabelo que vai ficando cada vez mais laranja, o ponto de interrogação é sempre o mesmo: estamos assistindo ao Donald Trump francês?
Por mais de um momento o personagem de Magimel repete que ele é um mero representante do Estado. O quanto isso dói no século 21 você não faz ideia. E não dói apenas para o simulacro do político laranja. Dói para qualquer idiota de terno branco cuja existência é incômoda, inconveniente e desajeitada.
Porém, não é a pessoa que representa o Estado o que incomoda mais. O que acaba sendo o golpe mais duro em nossa percepção deste filme é ver tantas pessoas prestando atenção ao que o sujeito fala. E o único motivo para isso parece ser a única frase verdadeira: esse sujeito que não tira seu terno branco e seu biquinho no rosto representa o Estado.
E o que é o Estado senão este incômodo eterno? A não ser que você tenha seu político de estimação, caro leitor, viver no século 21 e ver que políticos ainda não foram extintos é de uma dor incomensurável. E mais uma vez: não por causa deles. As pessoas validam sua existência. Ainda.
Mas vamos parar com os devaneios, apesar de que este filme inteiro é um imenso devaneio em cima de um tema escolhido ao acaso: testes nucleares na Polinésia francesa. O fato dela ter francesa no nome é o que mais gera paranoia, suspeitas e potenciais conflitos internacionais em um jogo de interesses em uma especulativa corrida energética. Tudo alheio aos habitantes da região onde os testes parecem que serão feitos, claro.
As figuras que populam Pacifiction não nos ajudam a ter um pingo de esperança. Meros joguetes em um jogo político velho e repetido, o filme ganha pontos por nos fazer prestar atenção por mais de duas horas em dezenas de personagens que não possuem a menor importância para o enredo.
É desesperador se não fosse trágico. E se não fosse cômico. Na vida real é mais cômico que trágico, mas nada como o ponto de vista europeu ao drama para tornar qualquer desgraça em qualquer parte do mundo como trágica. Desde que, claro, envolva a França na geopolítica. Não se esqueça do egocentrismo patriótico na conta do que realmente importa.
Algumas figuras enigmáticas surgem na neblina para nos dar a sensação falsa de que a ação irá de fato se concretizar, mas quando o filme passa da metade nós já entendemos que tudo não passa de uma ilusão da linguagem, introspectiva e psicológica. Pacifiction se revela, então, um longo e retórico exercício de futilidades políticas. Lembra algum governo em específico ou algum representante do Estado? Infelizmente ele se limita justamente nisso.