“Wakanda forever”. Talvez fosse melhor começar esse texto sobre Pantera Negra de um jeito melhor e mais inserido no resto da crítica, mas não importa, Wakanda está ai para ser celebrada, então o resto pode ficar em segundo plano.
E isso, porque Pantera Negra não está interessado em ser aquele filme de super-herói comum que expande a mitologia do personagem depois dele ¿roubar a cena¿ em Guerra Civil. Sim, o filme faz isso, mas suas pretensões são tão maiores que isso que seria uma pena ficar só nisso.
Escrito por Ryan Coogler (que também dirige) e Joe Robert Cole, o que se vê na tela é a jornada de um herói (no sentido do Campbell mesmo) não para assumir o trono de sua nação depois que seu pai foi assassinado no filme do Capitão America, mas sobre um herói que precisa aprender a ser rei, tomar decisões, lidar com os pecados do passado e enfrentar os equívocos do presente.
Em certo momento de Pantera Negra, T´challa, vulgo o herói propriamente dito (Chadwick Boseman), chega a conclusão de estar enfrentando um monstro que eles mesmos (wakandanos) criaram, o que nos leva a um flashback em 1992 que mostra o antigo rei T´Chaka tomando uma decisão que colocará seu reino em perigo nos dias atuais. A ameaça vem com Erik Kilmonger (Jordan B. Jordan), que volta à Wakanda para reivindicar o trono.
Mas Pantera Negra tem tanto essa vontade shakespeariana de parentes destronando parentes (ops, acho que foi um spoiler), como também trabalha na honra de uma nação orgulhosa de suas origens, ainda que, sobre tudo isso, seja a jornada de um herói, com Kilmonger sendo apenas um dos estágios do caminho de T´Challa. E como poucos, Coogler e Cole parecem entender a Jornada do Herói de modo tão claro e preciso que nada ali parece artificial ou forçado. E isso, tanto para o protagonista, como para todo resto do elenco.
Assim como o trabalho de direção de arte de Hannah Beachler (que já trabalhou com Googler em Creed, mas também esteve em Moonlight) cria um mundo inteiro, onde cada detalhe mistura o colorido da África e uma temperatura elevada e caótica do hemisfério sul, com o mais moderno que a ficção científica tem à sua disposição. Esse cuidado toma conta do elenco, onde cada um ali tem uma personalidade tão forte que conta uma história apenas parados na tela.
E quanto mais próximo esses coadjuvantes estão de T´Challa, mais eles têm a oportunidade de ganharem seus próprios arcos e jornadas. E isso é uma característica que parece residir apenas nos grandes filmes (você pode estar pensando em Guardiões da Galáxia, mas pode ir mais longe com clássicos cheios de personagens como Star Wars e Senhor dos Anéis).
Além do vilão Kilmores ser movido por sua vingança, chega ao final transformado em um personagem ainda mais complexo e mudado. Sua jornada o torna uma pessoa tão diferente quanto o próprio T´Challa. Assim como, por exemplo, a principal guerreira da guarda pessoal do rei, Okoye (Danai Gurira, que você pode não reconhecer de cara, mas é a Michone da série The Walking Dead), tem um arco tão complexo quanto o do protagonista, passando por decisões que a colocam em lugares que nem ela imaginaria estar.
De qualquer jeito, Okoye é uma das melhores coisas do filme, com uma construção divertida de Gurira, andando sempre entre a honra pretoriana e o incomodo por não poder, simplesmente, impor sua superioridade física do jeito mais eficiente e violento possível. Ao mesmo tempo, por outro lado, o que parece ser só um namorinho para dar leveza à personagem e valorizar a presença de Daniel Kaluuya (de Corra!) como W´Kabi, se transforma em um relação muito mais interessante até do que a do protagonista com a Nakia de Lupita Nyong´o.
E tudo isso está por lá para criar um filme cheio de camadas e discussões morais que passam por imigração, refugiados, influência militar e abertura cultural, tudo isso enquanto, é claro, o Pantera Negra luta por Wakanda. E isso é mais que suficiente para que o filme se torne uma das tentativas mais interessantes de fazer algo diferente dentro do gênero. Pantera Negra não tem a pretensão de ser um filme de espionagem ou uma comédia (como O Soldado Invernal e Ragnarok), mas sim ser um filme de super-heróis que tem uma história para contar maior do que, simplesmente, salvar o mundo de um vilão megalomaníaco.
Coogler sabe disso e não deixa que suas pretensões artísticas atrapalharem isso. É lógico que o diretor se diverte com alguns planos sem corte, principalmente nas cenas de ação onde sua câmera voa pelo cenário, como na perseguição na Coreia, na cena do cassino em todo terceiro ato cheio de lutas e batalhas, mas no resto do tempo, seu objetivo é claramente valorizar as ótimas atuações do filme, assim como os cenários exóticos de Wakanda e mais ainda lugares como o ¿palácio¿ da tribo Jabari, suportado por um gorila e rodeado não por paredes, mas por bambus.
Todo isso ainda é aumentado pela incrível trilha sonora de Ludwig Goransson, que não tem receio de envolver toques tribais e poderosos, com o mais clássico dos violinos. O resultado é um clima perfeito e que ajuda o filme a ganhar um ar mais épico ainda. Sim, Pantera Negra é épico, Wakanda é descomunal, sua trama é digna de algum drama sobre algum império qualquer e tudo isso abre possibilidades para a Marvel como apenas o primeiro Guardiões da Galáxia o tinha feito.
Mas mais do que tudo isso, Pantera Negra tem significado cultural que extrapola a tela. Talvez ele possa ser considerado uma das maiores ¿produções negras¿ que o cinema já viu . Junto do herói, não só um elenco com alguns dos maiores expoentes da representatividade negra de Hollywood atualmente, como ainda uma série de profissionais por trás das câmeras, também negros e igualmente capazes de criar essa fantasia inspiradora.
À título de curiosidade, tirando o compositor Goransson, todos outros citados no texto são negros, e isso deve servira de inspiração para um geração inteira de jovens e crianças que ficarão maravilhados com essa possibilidade assim como, no final de Pantera Negra aqueles pequenos garotos descobrem a nave wakandana. E quando um deles pergunta para T´challa, ¿Essa nave é sua?¿, ele poderia até responder que a nave é, mas o resto, incluindo o filme, é deles. E para eles, à partir de agora, Wakanda estará lá para sempre.
“Black Panther” (EUA, 2018), escrito por Ryan Coogler e Joe Robert Cole, dirigido por Ryan Coogler, com Chadwick Boseman, Michael B. Jordn, Lupita Nyong´o, Danai Guria, Martin Freeman, Daniel Kaluuya, Letitia Wright, Winston Duke, Sterling K. Brown, Angela Basset, Forest Whitaker e Andy Sekis.