Esqueça a polêmica envolvendo o Oscar, assim como deixe de lado qualquer tipo de comparação com a obra de Kleber Mendonça Filho, Aquarius. E principalmente, pois é Pequeno Segredo quem mais se prejudica com todas essas comparações, já que nem bem sobrevive sozinho, pior ainda quando é esmagado por toda essa controvérsia.
O filme, praticamente a estreia do diretor David Schurmann (fez um terror chamado Desaparecidos, mas ninguém viu), é o retrato disso: de um diretor inexperiente que não consegue se afastar o suficiente de sua própria história para conseguir valorizar o material que tem em mãos.
Pequeno Segredo conta, justamente, a história da famosa (pelo menos no Brasil), família Schrumann, que velejou pelo mundo enquanto todos acompanhavam seus “diários” no Fantástico. Mais precisamente, o filme acompanha dois momentos do casal Heloísa e Vilfredo (Julia Lemmertz e Marcello Anthony): um onde precisam lidar com a juventude de sua filha mais nova, Kat, e um outro onde cruzam com um casal na Nova Zelândia durante uma de suas viagens.
Essas duas linhas então se desenrolam paralelamente e se encontram só lá para a frente, graças a esse “pequeno segredo” que batiza o filme. E ainda que essa descoberta nem seja algo tão difícil de imaginar, Schurmann (diretor) se esforça para colocar a história de seus pais e sua irmã de modo honesto e minimamente belo, mas falha diante de um preciosismo barato e uma aparente inexperiência em entender que o material que tem em mãos é muito menor que suas pretensões estéticas.
Sua câmera busca sempre uma aparência sensível, complexa e uma beleza que supera o significado. Na maioria do tempo, uma arrogância que parece não lhe permitir enxergar que uma ou outra cena só precisa de uma câmera ligada contando uma história e não algo rebuscado e complicado com uma profundidade de campo curta que mais atrapalha do que ajuda.
Um desespero estético que cria momentos vexatórios como em composições onde um lindo cenário fica resumido a um borrão, ou até quando um de seus protagonistas fica desfocado mesmo quase ao lado da companheira. Por outro lado, essa proximidade de foco até resulta em sequências interessantes como nos momentos onde dois personagens dançam em uma festa no Pará, mas no resto do tempo, é apenas mesmo um desfocado sem significado. Muita personalidade para pouco conceito.
Por outro lado, Schurmann realmente tenta ser sensível, como no começo, na praia da Nova Zelândia com um tocar de mãos e alguns olhares, ou em uma outra sequência onde uma das personagens encontra uma baleia em uma praia. Infelizmente isso fica pequeno perto de seus escorregões.
Falhas que vão de encontro ainda a um clima meio brega e exageradamente dramático além da já emotiva trama. Pior, Schurmann ainda se pega apostando em situações óbvias como closes nos pés das bailarinas e delírios sem gravidade na água, momentos que já foram tão repetidos a exaustão que no cinema de hoje que já nem chama mais atenção alguma.
Já em outra face de seu filme, o diretor acaba sendo igualmente inconstante com o elenco que tem em mãos. De um lado tem uma Julia Lemmertz, que é o que mais vale produção, tornado-a muito mais humano e salvando boa parte da experiência. Com apenas um olhar ou uma frase, Lemmertz diz muito mais que Marcello Anthony em toda sua carreira. Não é novidade então que Anthony acabe ficando relegado a um papel muito menor que de sua esposa na tela, coisa que, infelizmente não acontece na outra linha do filme onde, nem mesmo todo esforço de Maria Flor consegue salvar a falta de habilidade Errol Shand.
E talvez esse deslize do elenco seja ligado diretamente a um roteiro mecânico, que não consegue deixar as linhas de diálogo existirem com o mínimo de naturalidade que a “vida real” pediria. Um problema que Lemmertz tira de letra, e que a veterana Fionnula Flanagan (que você reconhecerá de um punhado de filmes e séries) também consegue passar por cima e suavizar as linhas duras. Infelizmente, o elenco infantil, comandado pela Kat de Marian Goulart, não conseguem fazer o mesmo e resultam em uma experiência bem ruim e aquém.
Mas Pequeno Segredo ainda é uma bonita história sobre amores, de diversos tipos e em diversos momentos do tempo. E tudo isso, toda essa sensibilidade, salva o filme de um desastre técnico maior… contanto que ele fuja do peso do Oscar e das comparações com Aquarius.
“Pequeno Segredo” (Bra/NZ, 2016), escrito por David Schurmann, Victor Atherino e Marcos Bernstein, dirigido por David Schurmann, com Marcello Antony, Julia Lemmertz, Maria Flor, Erroll Shand, Mariana Goulart e Fionnula Flanagan.
O crítico foi ao cinema à convite do Cine Roxy