Vagando por um mundo do qual não parece pertencer, com um olhar desfocado (que só aponta com firmeza para seus alvos em potencial) e em um terno muito maior que sua magreza quase doentia, o herói de Pickpocket, de Robert Bresson, parece estar ali para provar ao mundo que tudo precisa, simplesmente, ser enxergado por uma outra óptica.
Seu bandido “útil”, acima da lei, diante de suas habilidades, que mais parece saído do clássico de Dostoieviski, mas, diferentemente de Raskolvicov (herói de Crime e Castigo), o “super-homem” de Bresson não se enrola em uma teia na qual não consegue sair, mas sim sofre de algo quase doentio, como um vício, que o leva a sempre tentar dar o próximo passo, mesmo visando uma anunciada desgraça. Já por um outro lado, ambos parecem enlouquecer, cada um ao seu modo, diante da culpa e do castigo inevitável, como se no fundo tivessem medo, não do que vem a seguir, mas do julgamento que pesará sobre suas costas. Mas talvez, o mais importante, seja o destino final dos dois: achando a paz, e o amor, somente quando se encontram separados, de seus amores, pela liberdade.
Bresson, diferente de Dostoievski, parece se esforçar o máximo para fazer de seu personagem um “quase herói”, no sentido grego da palavra, que apenas se encontra em um espiral de onde não consegue mais sair, mas que mesmo assim tem a hombridade de “adotar” o filho sem pai de sua amada ou de cuidar de sua mãe doente em seus últimos momentos (e até de deixar o caminho livre para seu amigo conquistar sua paixão). Para completar, em certo momento Bresson faz até questão de mostrar o ladrão, em um momento paradoxal com um clichê máximo do cinema: pagando o taxista.
Pickpocket, além de toda profundidade narrativa, ainda conta com um visual ultra-moderno, com sequencias de roubos geniais, extremamente bem coreografadas e montadas, brincando com a velocidade do filme e com a habilidade dos ladrões, como se, naquele momento, até o mundo ficasse mais devagar enquanto fazem seu trabalho. Ou seria sua arte?
idem (EUA, 1947), escrito e dirigido por Robert Bresson, com Martin LaSalle, Marika Green e Jean Pélégri