Que o cinema tem um forte apelo propagandístico, não é nenhuma novidade. É impossível desvincular Polícia Federal: A Lei é Para Todos de seu contexto político, e isso envolve também o alinhamento de quem está sentado na plateia, obviamente, podemos (e vamos) discutir o longa de maneira mais isenta, mas suas próprias opiniões influenciarão bastante a maneira com que você enxergará certas decisões tomadas aqui pelos cineastas. Nesse sentido, esta é uma produção repleta de problemas, mas que, querendo ou não, sabe vender sua mensagem.
De acordo com o diretor Marcelo Antunez e os roteiristas Gustavo Lipsztein e Thomas Stavros, a corrupção faz parte do Brasil desde sua gênese. Em meio às centenas de nomes e escândalos que o filme então nos apresenta, A Lei é Para Todos concentra-se no Lava Jato, indo mais especificamente até a fase 24 da Operação (como a cena pós-créditos indica, a intenção é dar continuidade à recém-nascida “franquia”). Para tanto, somo apresentados aos agentes da Polícia Federal Beatriz (Flávia Alessandra), Ivan Romano (Antonio Calloni) e o protagonista, Júlio César (Bruce Gomlevsky), que, ao lado do juiz Sérgio Moro (Marcelo Serrado), combaterão os vilões responsáveis por corromper a louvável política brasileira.
Sim, é assim que o filme divide seus personagens: entre heróis e vilões, sem espaço para maiores nuances. O time da Polícia Federal é impossivelmente ético e determinado, e até mesmo seus momentos mais “baixos” têm a ver com o peso trazido pela luta ininterrupta contra a corrupção. Assim, Júlio César cuida da mãe doente (que, é claro, aparece tossindo na primeira vez em que a vimos, por que de que outra forma entenderíamos que ela está realmente doente?) e Moro aparece frequentemente em casa, seja trabalhando ou compartilhando momentos ternos com a esposa e o filho. Enquanto isso, o outro lado poderia surgir com longas capas negras e corvos de estimação, já que uma doleira, por exemplo, nos é apresentada bebendo champagne em uma luxuosa banheira, provavelmente em seu covil vilanesco (e ela nunca mais aparece).
Já todo o contexto envolvendo a Operação Lava Jato é explicado de maneira mastigada e bastante didática, por meio de informações e números que fazem sentido e que nos permitem realmente entender como um caminhão de palmito catapultou a investigação toda. Tudo isso, é claro, tem o objetivo óbvio de nos fazer confiar nos protagonistas de A Lei é Para Todos ¿ diante da integridade da equipe e da clareza das informações que eles passaram até então, o espectador talvez não encontre motivos para questioná-los quando as “provas” começam a ganhar menos força e quando as conexões feitas pelos personagens tornam-se forçadas. Repare como, diante de uma curta gravação, Júlio César imediatamente declara que “tudo de que eles precisam está ali”. Sem o anúncio do protagonista, não chegaríamos sozinhos àquela conclusão, pois ela não faz sentido. Se você não questioná-la, é apenas porque confia no personagem, algo que o longa se esforçou muito para acontecer.
O que, é claro, começa a acontecer de maneira mais intensa quando Lula, vivido por Ary Fontoura, entra em cena. Aqui, é fundamental ficar atento para as nuances (ou melhor, falta de) da performance do ator, que, mesmo repetindo determinadas frases de Lula palavra por palavra, entrega-as de maneira completamente diferente, o que por si só é capaz de transmitir sensações muito distintas daquelas evocadas na vida real, transformando humor em deboche, confiança em medo. Obviamente, filmes baseados em fatos fazem alterações o tempo todo em nome da dramaticidade, mas a intenção aqui é bem diferente. Enquanto isso, a Polícia Federal insiste em demonstrar sua preocupação em “preservar o presidente” a um nível que chega a ser absurdo.
Esses são problemas morais do filme, mas tudo é feito de maneira intencionada, Antunez sabe muito bem onde quer chegar. Sendo assim, A Lei é Para Todos ocasionalmente apresenta qualidades técnicas, como a montagem de Marcelo Moraes, que traz dinamismo e fluidez à narrativa. Por outro lado, mesmo formado por atores talentosos, o elenco tem poucas chances de naturalizar o roteiro, que traz diálogos “encaixadinhos” demais e dá para praticamente ouvir as marcações dos atores. Há, ainda, a insistente trilha sonora, que tenta construir sensações no espectador, e não apenas exaltá-las.
Assim, o tom didático e heroico de Polícia Federal: A Lei é Para Todos tenta esconder o fato de que o longa torna-se mais inverossímil conforme a narrativa avança. Posicionar-se diante dos fatos que apresenta não é, por si só, um problema. Entretanto, esta produção vende-se como um retrato fiel de algo que faz parte da nossa realidade política atual, que ainda está em curso. Juntando isso às decisões que o filme toma para convencer o espectador da verossimilhança de suas representações, o resultado final é desprezível.
“Polícia Federal: A Lei é Para Todos” (Bra, 2017), escrito por Gustavo Lipsztein e Thomas Stavros, dirigido por Marcelo Antunez, com Antônio Calloni, Flávia Alessandra, Bruce Gomlevsky, Ary Fontoura e Marcelo Serrado.
2 Comentários. Deixe novo
Marcos, eu acredito que todo filme tem muita coisa a nos ensinar, nem que seja por meio de exemplos do que não fazer. Então, de qualquer forma, dá para aproveitar a sessão 🙂
Serei sincero: sabia que se tratava de uma propaganda e não iria assistí-la! Mas a sua crítica fez me ver que existem aspectos positivos! Irei, sim, encarar essa propaganda!