Por Trás dos Seus Olhos emprega uma estética suave e belíssima para construir o mundo a partir da percepção de sua protagonista, o que é definitivamente a maior qualidade do longa. Enquanto isso, por meio de seus dois interessantes personagens centrais, a obra discute tudo aquilo que é capaz de destruir a fundação de um casamento aparentemente perfeito, mas sem saber fazer muito bem o que fazer com diversos dos caminhos que toma.
O casal norte-americano Gina (Blake Lively) e James (Jason Clarke) vive na Tailândia por causa do emprego dele. Ela é cega e depende muito do marido para quase tudo ¿ inclusive financeiramente, já que não trabalha. Os dois são apaixonados um pelo outro, vivem um casamento feliz e estão tentando ter o primeiro filho. É nesse contexto em que Gina passa por uma cirurgia restauradora, que recupera os danos que um acidente na infância (que matou seus pais) causou em seu olho direito, do qual ela passa a enxergar. A partir daí, porém, ela passa a ter também uma nova compreensão acerca de sua própria realidade e do marido, que tem muita dificuldade em conviver com uma esposa que não precisa mais dele como antes.
Os maiores trunfos de Por Trás dos Seus Olhos são seus aspectos técnicos. O diretor Marc Forster cria diversos planos que assumem a percepção de Gina sobre o que ela vê, escuta e sente, e isso diz respeito não apenas à visão dela (em seus diferentes níveis), mas também às emoções, anseios e lembranças da protagonista. Para tanto, a fotografia de Matthias Koenigswieser também é fundamental ¿ ele imbui o filme de imagens fluidas, pouco definidas, que constroem-se aos poucos. Além disso, também é admirável a maneira com que a obra explora os diferentes níveis de visão de Gina e, como a partir de determinado momento, até mesmo aproveita-se disso para que a protagonista, de certa forma, divida com o espectador informações que apenas ela possui.
No centro de tudo isso, Blake Lively faz um belo trabalho e consegue representar bem a confusão, a dor e as novas descobertas de Gina, ainda que falte à atriz uma certa sutileza que poderia tornar a sua atuação verdadeiramente memorável. Enquanto isso, Jason Clarke é um bom contraponto à protagonista, criando um personagem multifacetado que afasta-se mais da esposa ¿ e do público ¿ conforme a narrativa avança. Ambos também funcionam bem juntos, especialmente nos momentos, de maiores ou menores proporções, em que percebem o quanto o relacionamento deles é, na realidade, bem diferente do casamento tranquilo e feliz no qual eles acreditavam viver.
Além de dirigir Por Trás dos Seus Olhos, Forster também assina o roteiro ao lado de Sean Conway. A dupla acerta ao compreender que não são apenas tragédias e grandes acontecimentos que fazem um casamento desmoronar, mas que esses eventos são, na maioria das vezes, consequências de todas as coisas pequenas que aconteceram antes ¿ e que, juntas, representam padrões de comportamento insuportáveis ou até mesmo abusivos. A verdade é que, logo no início da projeção, James imperceptivelmente revela a sua essência ao declarar que cuidar da esposa, para ele, não é um incômodo, mas aquilo que faz com que ele se sinta especial. Quando Gina deixa de precisar dele, James não sabe mais como agir, já que não está acostumado a uma rotina em que ela está em pé de igualdade com ele. Isso inclui, por exemplo, ver a esposa abandonar seu visual básico por roupas e maquiagem que valorizem sua beleza, ou aproveitar uma noite em Barcelona ao lado da irmã e do cunhado sem dar atenção a ele (que, justamente por não aceitar ver Gina se divertindo, mostra-se uma companhia nada agradável).
Em meio a esse conflito central, porém, o longa insere também uma série de elementos mal explorados que acabam realçando os problemas do filme, já que não conseguem tornar-se parte natural da narrativa. Nesse sentido, a caracterização da irmã (Ahna O’Reilly) e do cunhado (Miquel Fernández) de Gina surge bastante forçada, ainda que a ideia ¿ mostrar um contraste à nova realidade do casal central ¿ seja compreensível. O personagem de Wes Chatham também é mal utilizado, enquanto uma carta que Gina recebe de um estranho apresenta um sentimentalismo e um caratér expositivo que contribui para que Por Trás dos Seus Olhos perca o fôlego em seu terceiro ato. Isso acontece também graças aos últimos acontecimentos envolvendo Gina e Jason, o que é uma pena, considerando a eficiência da última cena que eles dividem.
Assim, Por Trás dos Seus Olhos é repleto de qualidades admiráveis, especialmente no que diz respeito a como sua linguagem estética é utilizada para desenvolver a protagonista. Portanto, é uma pena que a obra diminua-se a caminho de sua conclusão, quando prefere entregar-se a caminhos cuja proposta mostra-se bastante afastada daquilo que havíamos visto até então.
“All I See Is You” (EUA/Tai, 2016), escrito por Marc Forster e Sean Conway, dirigido por Marc Forster, com Blake Lively, Jason Clarke, Ahna O’Reilly, Miquel Fernández, Wes Chatham e Danny Huston.