Existe um acordo de cavaleiros entre quem dirige um filme de terror e quem vai ao cinema vê-lo. Um faz de tudo para que o outro acredite (pelo menos por aqueles 90 minutos) em tudo que está na tela, seja por meio de várias ferramentas narrativas, e dentre elas, suposta filmagem encontrada e monstros certo na hora certa. Mas sobre tudo isso há a sinceridade, e Possessão não se importa de passar bem longe dessa parceria com o seu público.

Dirigido pelo mesmo Ole Bornedal que, em 1997, dirigiu o divertido e tenso O Principal Suspeito (que, na verdade, é um remake de uma obra sua, ainda na Dinamarca), Possessão, produzido por Sam Raimi e sua Ghost House, poderia até envolver um ou outro espectador, mas resolve tomar o caminho preguiçoso de “se basear em uma história real” e fugir daquela sinceridade, pois, em poucos momentos, personagens estão voando pelas paredes, vozes ecoam de uma caixa de madeira e o cheiro de mentira reina pelo ar.

Bornedal não deixa um segundo sequer para que o espectador tente acreditar naquilo, pior ainda, vai aumentado o volume de situações improváveis até que aquele “baseado em fatos reais” se torne uma ofensa. E isso por que ele não chegou ainda nem no meio do filme.

Nele, um pai (Jefferey Dean Morgan) separado recentemente, acaba comprando para a filha (Natasha Calis) uma misteriosa caixa de madeira que, na verdade, é uma espécie de receptáculo que prende um demônio/espírito de origem hebraica, o que acaba dando um bem-vindo tom diferente e deixa um pouco o cristianismo de lado (e aproveita a moda em que a religião judaica, e a Cabala, se encontram). É lógico que, de modo óbvio, o pai vai então em busca da ajuda de um rabino, mas acaba apenas com a ajuda de um “apirante” a exorcista ortodoxo (vivido pelo “reggae star” Matisyahu), mas que já é suficiente para uma cena no final, com torá na mão e uma menina endemoniada.

Não que a trama óbvia incomode, muito menos alguns momentos de terror bem interessantes (como o destino do padrasto, ou uma certa olhada em um espelho), o problema é ter que fingir que aquilo aconteceu de verdade. O que te acorda a todo o momento e faz ser impossível entrar no clima que o filme pediria para, só assim, funcionar.

Possessão Filme

No caso, a tal “história real” nem é resvalada na produção, já que o filme se inspira em um artigo do LA Times sobre uma caixa semelhante que foi vendida no E-bay e garantia servir para aprisionar um demônio real. Aproveitando-se (ou não) de uma lenda hebraica que, justamente, apontava a existência desse tipo de “prisão demoníaca”. A caixa com o “dybbuk” (“apelido” para demônio em Yidish) foi vendida para um curador de um museu por 280 dólares.

A matéria fala então sobre um grupo de curiosos que entraram em contato com o comprador com a intenção de abrir a caixa e ainda em como essa história simples se tornou uma lenda urbana da internet. Mas nada de mãos saindo pelas bocas de outras pessoas.

Talvez então seja essa opção do roteiro de Juliet Snowden e Stiles White (que escreveram o quase recente Presságio e o, um pouco mais antigo ainda, O Pesadelo), de fugir da história real e não se prender por detalhes que colocariam a trama em um cenário realista que impeça Possessão de funcionar. Já que (assim como nesse parágrafo) a palavra real não consegue sair da mente do espectador, fazendo-o duvidar demais da credibilidade de um filme que, na pior das hipóteses, só queria contar uma nova história sobre mais uma garotinha inocente (essa chegando ao extremo de ser vegetariana) sendo “locada” como corpo para mais um demônio. Uma copia honesta de mais um punhado de outras produções e que passaria despercebida pelos cinemas, ao invés de se tornar um exemplo de “o que não fazer” dentro do gênero.


Possession(EUA/Can, 2012) escrito por Juliet Snowden & Stiles White e Lieslie Gornstein (artigo), dirigido por Ole Bornedal, com Jeffrey Dean Morgan, Natasha Calis, Kyra Sedgwick, Madison davenport, Grant Snow e Matisyahu.


Trailer


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