Assim como no hotel no Japão em Encontros e Desencontros e no castelo de Luís XVI em Maria Antonieta, Sofia Coppola agora acompanha mais uma de suas personagens presa em Priscilla, seu novo filme. Mas agora dentro da corte de um outro Rei, um bem diferente.
Lembrando que essa estrutura não está só nesses dois filmes e é algo que a diretora realmente tenta entender em praticamente cada um dos seus filmes. As irmãs de As Virgens Suicidas estavam sob a obsessão dos pais. Pai estrela e filha estão presos em hotel em Um Lugar Qualquer. O soldado ferido da União está preso na escola para meninas em O Estranho que Nós Amamos. Como se todos esses personagem, assim como Priscilla Presley, precisassem entender seus lugares e, quem sabe, fugirem. Talvez Coppola esteja interessada no significado dessa fuga.
Priscilla (Cailee Spaeny) escolhe se perder nesse mundo, afinal, quem não escolheria? Os custos chegam depois e o roteiro, também escrito pela diretora, a partir do livro de Sandra Harmon em parceria com a própria ex-esposa de Elvis, não parece preocupado em jogar o espectador nessa problemática antes dela realmente existir. Priscilla não é um filme com vilões, mas sim com uma pessoa.
No caso, a jovem Priscilla, estacionada com sua família lá na Alemanha depois do final da Segunda Guerra Mundial. Muito jovem mesmo, ainda preocupada com as notas nas provas e o dia a dia escolar. Até que conhece o já mundialmente famoso Elvis Presley (Jacob Elordi), cumprindo seu tempo de soldado na Europa. Não só conhecendo, mas também “caindo nas graças” do cantor. Em pouco tempo e com um namoro já engatado, Priscilla enfim vai morar em Graceland.
A história de Coppola (e do livro) já começa desde o primeiro encontro, tentando entender o relacionamento dos dois nunca como algo esquisito ou obsessivo, apesar da diferença de idade, mas sim como algo honesto, sensível e delicado. É o caminho através dos anos que deteriora os dois lados desse relacionamento. Na verdade, é o tempo que permite que Elvis se torne mais Elvis e que sobre para sua “Cilla”, uma espécia de prisão. Não domiciliar, no sentido estrutural mesmo, da alma. Da vida.
Em certo momento Elvis recorda ela: “Sou eu ou uma carreira”. E isso diante apenas da possibilidade de um trabalho de meio período depois da escola. “Quando eu chamar, você tem que estar lá para mim”, comenta o cantor em outro momento com uma naturalidade que impressiono. O Elvis de Priscilla (o filme), não é um vilão, mas sim alguém deturpado pela vida que tem e o tamanho que seu entorno o deixou chegar. Para Elvis não existe nada maior que Elvis. Para Priscilla também não, mas ela precisa aprender o contrário.
O filme toma esse caminho delicado e sensível, mas com momentos que são entrecortados por uma violência quase inocente do astro, o que serve ainda mais para entender a personagem. A câmera de Coppola não larga de sua protagonista e está sempre com ela, tentando entendê-la e enxergar o mundo através de seus olhos. A exceção se dá apenas no final, perto da separação dos dois, onde se permite ir com Elvis para Las Vegas e encarar uma decadência escura e sombria para enquanto, paralelamente, mostra Priscilla na Califórnia ensolarada e feliz.
Quase um último momento antes do fim. Um fim quieto e sem emoção. Como se o próprio Elvis não tivesse mais forças para lutar contra o mundo que o esmagava. A título de curiosidade, ele morre apenas cinco anos depois do divórcio oficial (o casamento tinha acontecido em 1967 e ido até 1972).
Coppola constrói a relação dos dois sempre em uma corda bamba entre a felicidade e o sucesso, mas regado a noites intensas de bebidas e pílulas. Parece perdoar as óbvias infidelidades de Elvis através das pequenas dores de Priscilla, como se entendesse perfeitamente que isso nunca foi o que quebrou o amor de ambos. Era uma obsessão de Elvis por ele mesmo que atrapalhava tudo ao seu redor, um ego grande demais para deixar lugar para sua esposa.
Mas a cineasta também não deixa isso ser o motivador de seu filme, mas sim constrói esse sentimento através da repetição. Do ritmo em que coloca sua protagonista fazendo vezes e mais vezes a mesma coisa. Da escola ainda jovem, até uma existência solitária dentro da mansão. Dia após dia como se aquilo não acabasse e deixasse tudo ainda mais solitário e desconfortável diante de uma espécie de obsessão controladora de Elvis. Tudo precisa estar sob seu olhar. Seu poder. Seu gosto. Sua presença precisa influenciar todos ao seu redor e isso cria uma espécia de monstro que faz de Graceland um cativeiro para Priscilla. Mas um cativeiro que vai além das paredes.
A liberdade dela não significa a saída da propriedade, mas sim a possibilidade de tomar suas decisões e ser ela mesmo, não a mulher que Elvis queria. Coppola entende isso e faz com que sua personagem não lute contra isso, mas sim vai aos poucos entendendo algo que nem ela sabia que queria. Como em vários de seus filmes, Priscilla se descobre refém dela mesma e Coppola está lá testemunhando essa mudança.
Tudo com uma câmera objetiva e que nunca se permite ser a estrela do filme. Sob sua visão, o importante é os personagens e suas emoções e não algum tipo de movimento técnico e metido a besta. Do pai Francis, Sofia já demonstrou que puxou a qualidade e a sensibilidade para entender a história que está contando e fazer disso o objetivo de seu esforço. Priscilla é mais um filme de Sofia Coppola que demonstra o quanto ela se tornou uma cineasta que deveria reverberar o interesse de todo público por qualquer coisa que tenha o nome dela no cartaz.
“Priscilla” (EUA, 2023); escrito e dirigido por Sofia Coppola, a partir do livro de Priscilla Presley e Sandra Harmon; com Cailee Spaeny, Jacob Elordy, Ari Cohen, Dagmara Dominczyk e Tim Post.