Quando Chega o Outono | Chega em lugares que você não imagina

Existem histórias que precisam de mais do que fatos para serem contadas, como se quisessem sentir aquilo que aqueles personagens estão sentindo antes de entender o que estão pensando ou fazendo. Mas entender o interior daquelas pessoas é complicado e delicado. Quando Chega o Outono, novo filme do cineasta francês François Ozon é também sobre isso, mas como seus filmes são, é sempre também sobre um punhado de outras coisas.

Não algo jogado na cara, na verdade é como se você estivesse vendo uma história e se aproximando desses personagens até perceber que estava mesmo era acompanhando uma outra trama. Ainda mais delicadamente humana e tão clara que é quase impossível não se surpreender como não tinha percebido daquilo até aquele momento.

Mas de cara, Quando Chega o Outono mostra Michelle e Marie-Claude, duas idosas vivendo em uma cidadezinha do interior da França. A primeira (Hélène Vincent) está preocupada com a vinda da filha e do neto, que chegarão a sua casa para uns dias de férias. A Segunda (Josiane Balasko) visita seu filho em um centro de detenção onde ele está preso. Mas o filme não é sobre eles, ao mesmo tempo que é. O que faz do filme do Ozon uma experiência tremendamente emocional, já que as camadas desse drama vão se descascando e quando tudo é exposto é tarde demais e você já está preso a essa história tão delicadamente humana.

Ozon parece buscar uma verdade e uma realidade que vão além de sua história. O que era uma trama inicial se desenvolve em algo ainda mais complexo e surpreendente e que dá de frente com o filho de Marie-Claude recém-saído da prisão. E aquilo que poderia ser julgamento e questões relacionadas a sua culpa ou imperfeição, acabam sendo algo ainda mais difícil de lidar, já que quando você percebe, ele se tornou um personagem tão importante quanto as duas mulheres.

Esse clima de surpresa parece amarrar ainda a trilha sonora de Evgueni e Sacha Galperine, como se as músicas por trás das cenas já previssem que cada uma daquelas decisões e situações se transformarão em mais e mais embates emocionais. O que sempre começa como uma harmonia para um drama familiar, aos poucos vai se carregando em um suspense que o espectador não nota logo de cara que está acontecendo.

Principalmente, pois Ozon faz ser extremamente difícil adivinhar o que vai acontecer em seu filme. O que era dor e confrontamento, se torna culpa e peso de um passado que nem todo mundo está preparado para carregar. Mas quando você entende a complexidade com que aqueles personagens têm para conviver com seus passados e origens, surge uma encruzilha moral aterradora e que vai escorrendo para todos na história. Qual o peso de suas decisões? O quanto o começo dentro de uma pequena igreja dita a presença dessa culpa nessas pessoas? Como confiar em alguém que já teve seus pecados marcando seu caminho?

O diretor francês não foge de nenhum questionamento, mas também não responde ou decide quem está certo ou errado, seu único objetivo parece ser com esses personagens que tem seus caminhos cruzados por Michelle, essa sim, tendo que conviver com suas decisões, culpas e dores, mas que, bem antes da cena inicial, já tinha decidido que iria viver sua vida, uma nova vida, independente de qualquer coisa que tentasse a atrapalhar. Se isso parece um pouco egoísta é porque Ozon não está interessado (nunca) em personagens que sejam fáceis de serem decifrados através da régua moral de uma sociedade que não saberia conviver com esses personagens sem julgá-los.

O outono do título talvez seja pela época onde a trama se passa, mas também é sobre as folhas caídas sobre o verão para que tudo se renove. E se é necessário que o inverno venha para bagunçar as coisas antes que tudo nasça e volte a brilhar no inverno, então que seja assim e esses personagens lutem com suas dores para aproveitar o calor e a vida, qualquer que seja aquela que eles terão em mãos depois de tudo que enfrentarem.

Fraçois Ozon provoca tudo isso em seus filmes que parecem simples, mas fazem seus espectadores pensarem e se emocionarem. Um mestre de histórias que, mais do que contadas, podem ser sentidas.


“Quand Vient L´automne” (Fra, 2024); escrito por François Ozon e Philippe Piazzo; dirigido por François Ozon; com Hélène Vincent, Josiane Balaski, Ludivine Sagnier, Pierr Lottin, Garlan Erlos e Sophile Guillemin.


Trailer do Filme – Quando Chega o Outono

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