Não apenas de super-heróis sobrevivem as adaptações dos quadrinhos para o cinema. Rainhas do Crime é uma série da Vertigo, selo da DC, que agora chega à telona com uma história interessante por si só, mesmo que isso não garanta muitos acertos.
Nela, Melissa McCarthy, Tiffany Haddish e Elisabeth Moss vivem, Kathy, Ruy e Claire, esposas de três gangster irlandeses no final dos anos 70. O trio acaba sendo preso e elas precisam então enfrentar um novo “chefão” para conseguirem sobreviver sem os maridos “trabalhando”. Consequentemente, a Cozinha do Inferno (bairro nova-iorquino) está prestes a ganhar um novo chefe… ou melhor, “chefas”.
Principalmente pela ideia de acompanhar essas mulheres “subindo na cadeia alimentar”, Rainhas do Crime surge interessante, afinal, é sempre divertido ver esse tipo de estereótipo narrativo ser quebrado. Não só pelo “girl power”, mas também pela oportunidade de ver personagens oprimidas se libertando das amarras desse mundo que as diminui. Infelizmente o interesse fica por aí.
Andrea Berloff, em seu primeiro trabalho na direção, entrega um filme visualmente atravancado, monótono e que, em certos momentos, beira o amadorismo narrativo. Certo momento, um grande vilão morre e você nem percebe que é ele até umas duas cenas depois. Algo que poderia ser solucionado de modo incrivelmente simples com, por exemplo, um plano detalhe na cara do rapaz.
Mas não se preocupe, o roteiro de Berloff, na mesma hora, introduz um personagem importante no filme sem qualquer aviso (sua presença também só é explicada algumas cenas depois). Soluções estéticas e narrativas que demonstram uma falta de experiência óbvia e que nem atrapalharia muito se o resto do filme não fosse também um retrato dessa falta de trabalhos no currículo da diretora. Portanto, se prepare para um filme visualmente desinteressante e com jeitão de novela das 21h.
O roteiro ainda perde completamente o ritmo ao não investir tempo suficiente em certas soluções e motivações das personagens. Como se suas ideias surgissem de absolutamente lugar nenhum e, consequentemente, ninguém no cinema acabe se apegando a tudo que está acontecendo. Um problema que não é exclusividade de Berloff, mas sim de um gênero inteiro de filmes onde não parece mais haver tempo de desenvolver personagens com calma, fazendo-os apenas agir.
Recentemente, As Viúvas, parte de uma premissa extremamente semelhante, mas tem um resultado muito mais eficiente, justamente, por estar mais preocupado com suas personagens do que com a ação, reviravolta ou perigo que ronda as personagens.
Em Rainhas do Crime, tudo acontece sem emoção, quase como dominós enfileirados simplesmente se empurrando. Falta conhecer um pouquinho mais quem é cada dominó.
E se você está pensando, “pelo menos é um filme feminista que dá fôlego para o gênero”, também pode ser surpreendido. Todo esse “feminismo” não consegue ultrapassar as ideias antiquadas de que elas estão em um “mundo de homens”. É lógico que estão, e historicamente seria impossível esquecer isso, mas colocar as três protagonistas enfrentando seus maridos não é suficiente se você colocar ambas movidas, justamente, por homens. Seja uma nova paixão, a aceitação do pai ou até um novo namorado (sem esquecer a proteção de um outro homem), em todos casos isso poderia ser facilmente contornado com um pouco de esforço.
O que não permite que Rainhas do Crime seja um desastre completo é, justamente, a presença do trio de atrizes. McCarthy mostra mais uma vez uma capacidade de diversificação de personagem incrível, se encaixando bem em qualquer lugar, assim como Moss tem essa transformação selvagem e um crescimento dentro da história que a faz roubar a cena. Já Haddish, vinda das comédias, consegue entender a força da personagem e encara bem a ideia antagônica que sua personagem tem.
Mas como o spoiler do parágrafo anterior demonstra, Rainhas do Crime, mesmo movida por esses homens ao redor das personagens, é ainda um thriller de máfia sobre o quanto o poder corrompe. E nesse caso, ao tentar fazer isso sob o olhar feminino, acabam consequentemente sendo um exercício interessante dentro de uma mesmice sem graça que aplaca o gênero.
“The Kitchen” (EUA, 2019), escrito e dirigido por Andre Berloff, à partir da HQ de Ollie Masters e Ming Doyle, com Melissa McCarthy, Tiffany Haddish, Elisabeth Moss, Domhnall Gleeson, James Badge Dale, Margo Matindale e Brian d´Arcy James.