Para os fãs mais cascudos do gênero, ainda que a maioria dos filmes batizados no Brasil com o adjetivo “Macabro” seja sempre um desastre que usa a expressão para chamar a atenção do pessoal “mais trevoso”, Relíquia Macabra poderia ser facilmente ser chamado por aqui apenas de “Relíquia”. Mas isso não tira dele o quanto ele é obrigatório para os fãs.
O filme foi uma espécie de sensação entre os fãs de terror em 2020, mas acabou só chegando ao Brasil agora, meio escondido no catálogo do Telecine. O que acaba sendo um desperdício, já que, muito provavelmente, muita gente vai acabar perdendo essa experiência tensa, inteligente, delicada e incrível.
Relíquia Macabra é dirigido pela estreante em longas Natalie Erika James e vêm lá da Austrália. Mas não conta uma história presa a nenhuma cultura específica e sim a uma série de medos e sentimentos universais. Mas como em um bom terror, levando isso a um limite do racional que irá deixar o espectador na ponta da poltrona (ou do sofá).
A diretora, que também escreve o filme com Christian White, vai construindo essa sensação de insanidade aos poucos, como se aquilo que estivesse sendo visto pudesse ser apenas uma impressão no canto do olhar. Um clima que permanece preso ao filme por grande parte da trama, mas aos poucos vai permitindo que o extraordinário abrace essa realidade e mergulhe as personagens nesse lugar onde a demência pode ser algo mais palpável do que se espera.
Tudo gira em torno de Edna (Robyn Nevin), mãe de Kay (Emily Mortimer) e avó de Sam (Bella Heathcote). Quando a primeira some, as duas acabam indo até a casa dela para procura-la, mas acabam descobrindo que o problema da “vó” pode ser maior do que se espera. Assim como fugir dele pode não ser uma opção para as duas gerações mais jovens da família.
A direção de Natalie Erika James é firme, o começo é um pesadelo de impressões fortes e imagens que parecem pairar em um pesadelo, mas o seu maior acerto é jogar com o sutil. A sombra pode ou não ser uma sombra, está lá, no canto, em um movimento tão escondido que te coloca nesse lugar onde a impressão da realidade pode ser só isso mesmo, uma impressão.
O clima de pesadelo acordado vai tomando conta do filme e torna tudo uma experiência que parece rumar primeiro para um filme de terror clássico e com sustos, mas aos poucos vai rumando para uma espécie de desespero emocional onde as personagens vão se perdendo dentro desse lugar escuro e cheio de caminhos sem saída. Quase como um labirinto, mas que permanece pela maioria do tempo apenas no campo do significado antes de realmente coloca-las nesse lugar labiríntico concreto e desesperador.
O último terço do filme é angustiante, doloroso e esmagador, mas é o resultado desse esforço todo de criar um clima poderoso no resto do filme. Sem os clichês do gênero sendo usados para um susto descartável qualquer, mas sim para construir essa tentativa de colocar o espectador dentro de uma situação que não se permite ser explicada com clareza, mas está muito mais interessada no sentimento que traz com ela.
Relíquia Macabra é um terror extremamente eficiente sobre o ser esquecido e rejeitado pela própria família diante dos anos que tomam conta da vida. A herança não vem com a loucura, mas sim com a impressão de que é preciso aceitar essa responsabilidade de não abandonar aqueles que estiveram com você durante toda sua vida, mesmo distantes.
O filme te carrega ao mesmo tempo para um lugar sinistro e um pensamento aterrador. “Sinistro”, já que coloca o espectador realmente dentro do terror, da perseguição, do “monstro da vez” e até do extraordinário, mas é quando passa por isso e te faz pensar é que entrega realmente o maior terror. Aquele momento onde você não consegue parar de olhar para aquela cena, por mais dolorida que ela seja.
Relíquia Macabra é um filme delicadamente apavorante e os fãs de terror não devem perdê-lo, mesmo com o título brasileiro tentando colocá-lo em um lugar a ser esquecido. Mas acreditem, que o ver, não irá esquecer tão cedo.
“Relic” (Aus, 2020); escrito por Natalie Erika James e Christian White; dirigido por Natalie Erika James; com Robyn Nevim, Emily Mortimer e Bella Heathcote