Rocketman | Baseado em uma fantasia real


[dropcap]R[/dropcap]ocketman abre com essa figura alaranjadamente demoníaca andando por um corredor onde as plumas de suas asas resvalam nas paredes. A figura então se junta a uma espécie de terapia em grupo com seus óculos de coração. Aos poucos a figura vai se desmontando deixando mais à mostra o Reginald Dwight enquanto ele precisa enfrentar seus demônios para se tornar Elton Hercule John.

Na tela, Taron Egerton (Kingsman) se mistura a Elton John, não como uma cópia forçada, mas sim como uma versão única de apenas uma outra persona do cantor inglês. Uma que precisa olhar para o próprio passado para entender o futuro. O trabalho extraordinário de Egerton faz por vezes eles sumir por trás de seu Elton John, assim como John tentava sumir por trás da sua própria extravagância.

Curiosamente, Rocketman é dirigido pelo mesmo Dexter Fletcher que foi chamado para “arrumar” a bagunça de Bohemian Rhapsody depois que seu diretor (Brian Singer) abandonou a produção diante de algumas polêmicas envolvendo sua vida pessoal. Fletcher então faz que a história de Elton John transforme a do Queen em um tiozão moralista que tem medo de olhar no espelho. Rocketman não só olha em seu reflexo, como ainda faz questão de despedaça-lo e, de seus pedaços, criar uma das cinebiografias de músicos mais interessantes que o cinema já viu.

Não necessariamente melhor, até porque esse é um gênero que não cansa de dar resultados incríveis (The Doors, Bird, Straigh Outta Compton, Ray, Amadeus, La Vien Rose, La Bamba etc.), mas pelos menos será lembrado dentre todos esses, principalmente, porque tem personalidade. Fletcher aproveita tudo que tem em mãos e cria uma extravagante e inesquecível obra à altura de seu homenageado.

Rocketman é escrito pelo mesmo Le Haal que 18 anos atrás assinou o incrível Billy Elliot, portanto, é fácil esperar a mesma sensibilidade com seus personagens e a impressão de que não existem mocinhos ou bandidos, mas sim um personagem fadado a ser tornar um dos maiores cantores da música pop, mas que antes precisa vencer o mundo ao seu redor. Haal ainda tira proveito da própria discografia de John para fazer com que toda oportunidade de se deixar levar por uma canção seja o momento para levar seu espectador em uma viagem emocionante pela vida do cantor.

Com a ajuda de Fletcher e a capacidade de transformação de Egerton, Rocketman é um musical repleto de números musicais arrepiantes que demorarão a serem esquecidos. A elipse que entrega John à vida adulta, com “Saturday Night is Alright”, sem cortes (eles estão lá, mas escondidos) enquanto mergulha através de um muro para um parque de diversões é digna de ser lembrada como um dos melhores momentos do cinema em 2019.

E não espere Rocketman ser um filme de um grande momento só. Fletcher tem a sensibilidade de enxergar o potencial de cada canção e faz números que vão desde fantasia de “I Want Love”, com todos atores cantando, até momentos sensíveis como o da composição de Your Song. Assim como sabe ser espalhafatoso em “Honky Cat” e na própria Rocketman, onde os cenários se transformam e as passagens de tempo são metáforas visuais poderosas que explodem na tela e transformam o filme em uma experiência deslumbrante e empolgante.

Rocketman é tanto sobre acompanhar a transformação de Dwight em Elton, como entender como isso aconteceu em quem estava participando disso. O próprio Jamie “Billy Eliiot” Bell vive o parceiro de composições de John, Bernie Taupin, mas não se permite ser um coadjuvante esquecível (como por exemplo o Queen inteiro em Bohemian Rhapsody), mas sim alguém com importância o suficiente para mover a trama para frente. Bell não impressiona, não por falta de esforço, mas sim porque o resto do elenco principal dá um verdadeiro show.

Bryce Dallas Howard, em um misto de sensibilidade e crueldade, vive uma mãe complexa e que em nenhum momento se permite ser uma antagonista simples, mas sim uma força motriz que move esse Reginald Dwight para o futuro Elton John. Do outro lado dele, Richard Madden vive o empresário/marido, John Reid e acaba talvez provando ser a melhor coisa saída da série Game of Thrones que o espectador irá ver.

Mas talvez, Rocketman seja ainda sobre esses pequenos momentos que formaram a vida desse astro do pop que mudou a história da música mundial. E em cada um desses pequenos recortes, Fletcher convida seu espectador a entender o quanto um milésimo de segundo pode se tornar uma eternidade. Um envelope com uma canção pode se transformar em uma vida e o momento se estica como se não tivesse fim.

Em sua primeira apresentação no badalado Tourbador, Elton John, junto com sua plateia, voam juntos e flutuam enquanto “Crocodile Rock” conquista os Estados Unidos e o mundo. Sim, naquele exato momento que poderia durar, segundos ou minutos, para quem esteve ali, ao vivo, deve durar até hoje. É disso que Fletcher está falando, do infinito, da certeza de que não há fim para a transformação, seja na hora de não repetir sequer um óculos em todo o filme, em um novo figurino para um show ou, simplesmente, no momento em que quem estava por trás daquele demônio alaranjado não era ninguém menos que aquele pequeno Reginald Dwight.

Quem nasce daquele momento é Elton John, único, excêntrico, contagiante e divertido, assim como Rocketman.


“Rocketman” (UK/EUA, 2019), escrito por Lee Hall, dirigido por Dexter Fletcher, com Taron Egerton, Jamie Bell, Richard Madden, Bryce Dallas Howard, Gemma Jones.


Trailer do Filme – Rocketman

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