Há muito tempo atrás, em uma galáxia distante, espiões rebeldes conseguiram roubar os planos secretos da arma decisiva do Império. Menos de uma linha do famoso texto inicial do primeiro filme (Episódio IV). Para a galáxia, quase uma nota de rodapé. Para o cinema, a oportunidade de ir ainda mais além nesse universo. Ai está Rogue One: Uma História Star Wars.
Um filme maduro, trágico, que opta por um caminho complicado. Que discute a situação sócio-política do universo Star Wars. Dramático, complexo e que resulta em uma jornada sem glamour, sem sabres de luz. Um caminho tomado por aqueles que escolheram se sacrificar para manter a tal ¿Nova Esperança¿. Definitivamente, não um ponto fora da reta da franquia, mas pelo menos aquela impressão de que existe muita coisa a ser vista e muitas histórias a serem contadas.
Essa começa com uma jovem Jyn Erso (adulta é vivida por Felicity Jones) vendo seu pai, Galen Erso (o sempre incrível Mads Mikkelsen) sendo levado pelo oficial do império Orson Krennic (Bem Mendeosohn). Seu objetivo: fazer com que Erso acabe um antigo trabalho, a Estrela da Morte.
Anos depois, Jyn acaba então sendo capturada pela Aliança Rebelde e é obrigada a ajudar um de seus agentes, Cassian Andor (Diego Luna) a capturar o próprio pai. Mas essa não é nem a primeira camada de Rogue One, já que Jyn a Andor acabam então com a oportunidade de se tornarem aqueles ¿espiões rebeldes¿ na introdução do Episódio IV.
Mas sem um pingo do glamour heroico do resto da série. A dupla, em companhia do droid K-250, do guerreiro cego Chirrut e seu companheiro Baze Malbus (Donnie Yen e Wen Jiang) e ainda de um piloto do Império, Bodhi Rook (Riz Ahmed), partem então nessa missão suicida para invadir uma base inimiga. Mas isso também é só uma outra pequena camada, vulgo o terceiro ato.
Rogue One é sobre mais que tudo isso. É sobre essas pessoas que descobrem ter a oportunidade de mudarem o mundo ao seu redor. Jyn não os faz por vingança, nem por nenhum motivo que não seja a descoberta de que diante de certos momentos, todos tem a obrigação de agirem. Andor é levado pela oportunidade de, pela primeira vez em uma guerra que ele luta desde os seis anos, fazer a diferença sem precisar ser um assassino qualquer.
Esqueçam as motivações melodramáticas que tanto empurram os personagens de Star Wars (isso não é um defeito, apenas uma constatação). Rogue One mostra até um vilão, Krennic, frágil, esmagado por um sistema e lutando pelo único direito de ser respeitado pelos resultados que apresenta. Não que Vader (que dá as caras!) não seja um vilão tridimensional (o é… afinal tem até três filmes para explicar suas motivações), mas nem por um segundo em toda franquia tem a fragilidade trágica de Krennic. Em uma rima narrativa poderosa, o grande e único legado de Krennic é ser esquecido através da mesma arma que criou.
E esse tipo de revés é a cara de Rogue One. Nada nele parece fazer parte daquele bailado sincronizado do resto da franquia. Um monte de X-Wings surgem no final para salvar o dia (assim como em quase todos filmes), mas não se sabe se mais ajudam ou acabam atrapalhando, ou pelo menos, com certeza, acelerando a tragédia anunciada. Uma batalha no espaço que soa atabalhoada. Quase como se ninguém ali soubesse viver fora do glamour dos ¿números romanos¿.
Toda essa força narrativa ainda convive com um incrível trabalho do diretor Gareth Edwards e de uma Direção de Arte que te carrega de volta à 1977. Tudo que George Lucas pensou para seu universo no primeiro filme continua em Rogue One, não como uma homenagem, mas muito mais como uma obrigação em seguir o mesmo rumo, afinal estamos a poucos minutos do começo de Uma Nova Esperança. E isso, literalmente falando, já que um final de fazer os fãs chorarem coloca todos dentro do filme clássico (além de criar uma vontade incontrolável de ver os dois em sequência).
Já Edwards parece se sentir em casa. Vindo de dois filmes que praticamente olham ao redor mesmo jeito, com personagens pequenos, psicologicamente trágicos e frágeis dentro de um mundo que descobrem ser muito maior que eles (Godzilla e o incrível Monsters), pela primeira vez faz com que um filme da franquia Star Wars possa ser assinado.
Ainda que em uma série de refilmagens o roteirista Tony Gilroy tenha estado por trás das câmeras, a personalidade, o controle de composição e o modo cru de tratar seus personagens é quase a marca de Edwards. Sua câmera parece sempre interessada, justamente nessa relação entre o gigantesco, o indescritível, e a fragilidade humana. O tamanho diminuto diante do mundo. Diante da infinidade da galáxia.
Em vários momentos, com um único movimento de câmera, Edwards sai de um plano detalhe, de um personagem lutando por sua vida no solo e chega até uma enorme batalha aérea com um plano aberto, e vice-versa, ligando o micro com o macro. O único soldado com um grade destróier.
Uma direção robusta que a franquia nunca tinha visto (Abrams chega perto disso, mas nem por um segundo desse senso artístico). Em outro belíssimo momento, as principais armas do Império vão surgindo através da sombra de uma antena da Estrela da Morte, brincando com a proporção bélica dos vilões e ainda com o lado sombrio da Força.
Mas ainda melhor do que tudo isso, Edwards parece obcecado pelo primeiro filme da série (Episódio IV), criando uma quantidade deliciosa de rimas visuais entre seu Rogue One e o filme de 1977. E para finalizar, refaz um pedacinho do caminho de George Lucas e mostra o quanto foi o cara certo para o serviço.
Rogue One então não termina quando Uma Nova Esperança começa, mas sim dá lugar a um clássico. Mas faz isso com a propriedade e a disposição de alguém que está preparado para se tornar igualmente grande e respeitado. Incrível, maduro, trágico, complexo e sobre tudo isso empolgante, Rogue One: Uma História Star Wars mostra que o universo Star Wars nunca esteve em tão boas mãos.
“Rogue One: A Star Wars Story” (EUA, 2016), escrito por Chris Weitz e Tony Gilroy, à partir de uma história de John Knoll e Gary Whitta, dirigido por Gareth Edwards, com Felicity Jones, Diego Luna, Donnie Yen, Wen Jiang, Bem Mandelsohn, Forest Whitaker e Mads Mikkelsen
Trailer – Rogue One: Uma História Star Wars
O crítico foi ao cinema à convite do Cine Roxy