Dramas familiares são sempre um ótimo combustível para o cinema, principalmente para seu lado independente. E não só pelo custo quase sempre barato, mas, mais do que isso pela possibilidade de retratar situações sensíveis. E o irlandês Run & Jump se encaixa em todos esses quesitos.
Tem um custo aparentemente barato, é o primeiro longa de uma diretora que teve seu curta indicado com Oscar (Steph Green, em 2007 com New Boy), e tem uma sensível e inesperada história de amor para contar. Resumindo, um filme na medida.
Nele, a simpática Maxine Peake é Vanetia, uma mãe que aparenta ser como um milhão de outras, cuidando da filha, preocupada com as rugas e com uma vida agitada (e picotada pela montagem com planos detalhes), mas isso, e um bom humor que parece não larga dela, estão por baixo da dor de um marido (Edward MacLiam em um trabalho sutil e poderoso) que sofreu um AVC e voltou para casa “meio mudado”, “meio sem memória”. Mas essa recuperação chama a atenção de um psicólogo americano (vivido pelo ex-Saturday Night Life, Will Forte, que dá conta do papel) que acaba indo estudar o caso “in loco”.
Run & Jump poderia então ser, simplesmente, sobre esse caso de amor que nasce entre ela e o médico, mas acaba sendo sobre essa espécie de triangulo amoroso que surge aos poucos. Uma opção que não atrapalha o andamento do filme e encontra espaço ainda para discutir essa série de outras situações que acabam sendo prejudicadas pela volta desse pai para a casa. Em uma opção mais que acertada do roteiro de Alibhe Keogan, esse caso, que poderia mover o filme para um romantismo fútil, acaba sendo coadjuvante dessa história que é muito mais sensível. E nesse caso, muito mais única e interessante.
Dentro dela, o espectador vai poder se emocionar com toda dor dessa família, com o drama vivido pelo filho e com a filha que, assim como a mãe, aprendeu a se esconder, mas não sob um bom humor infindável, mas sim por baixo dessas roupas de bichinhos. Run & Jump então é verdadeiramente sobre essa família. E a partir do momento que o pai cria a versão de madeira do bonequinho do médico (e coloca junto dos outros), essa história é também sobre ele e sobre sua maior ajuda, que sai do campo da medicina e lhe permite ser aquele pai que todos esperavam de volta, mas fica preso em algum lugar do AVC do outro personagem. Uma oportunidade de a família ter em que se apoiar enquanto descobrem esse “novo pai”.
E a diretora faz isso tudo do jeito mais sensível possível, sem momentos melodramáticos e carregados, apenas uma câmera habilidosa, calma e que observa com atenção, não só a história, mas ainda essas ótimas atuações. Uma opção que ainda passa pela sensibilidade de delinear, principalmente, esse aparente amor entre a mãe e o psicólogo de modo tão sutil que não permite em nenhum momento que isso pareça ser algo condenável e muito menos errado. Na verdade chegando até a ser sutil demais.
Isso por que, ao no final optar pela construção clássica do conflito antes do “eu te amo”, não permite que ninguém no cinema entenda tão claramente por que razões isso está acontecendo. Um tropeço que não prejudica o andamento de Run & Jump, mas tampouco deixa que esse último momento seja tão poderoso quanto poderia ser, ainda mais quando opta por uma resolução tão correta e realista que não deixa que ninguém duvide de sua veracidade.
E talvez Run & Jump seja isso mesmo, um filme que conta uma história tão verosímil que dá a impressão de se estar vendo uma família real com um drama real e opções reais. Com isso, emoções reais.
“Run & Jump” (Irl/Ale, 2013), escrito por Aibhe Keogan, dirigido por Stephe Green, com Maxine Peake, Edward MacLiam e Will Forte.
Essa crítica é parte da cobertura da Itinerância da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo