Scheme poderia ser reduzido ao drama das adolescentes em busca de dinheiro fácil tendo seus corpos explorados através do que podemos chamar de “prostituição light”. Ele poderia ser reduzido ao drama, mas ele não é. Obcecado em descobrir como jovens garotas são atraídas para o covil de homens de meia-idade em festinhas particulares que levam ao consumo de drogas e sexo desenfreados, o filme vencedor do Generation 14Plus do Festival de Berlim, não está interessado em mais um drama juvenil sobre os abusos da idade. Está interessado no como.
Para introduzir o assunto o diretor-roteirista do Cazaquistão Farkhat Sharipov utiliza logo na primeira cena sua abordagem. Citando de passagem na TV da sala o caso Jeffrey Epstein, aliciador de menores que em 2019 foi pela segunda vez condenado por abuso sexual. Scheme constrói em seu cerne um esquema muito próximo do de Epstein, e quando digo muito próximo é para não soar uma cópia descarada. A única coisa que falta é a menção direta aos poderosos que o Epstein da vida real mantinha conexões; entre eles nada menos que Bill Gates, um dos homens mais ricos do planeta.
Porém, essa obsessão em replicar o império sexual de Epstein sem adentrar em todo o esquema de fato gera problemas na versão cinematográfica. Outra questão é que ao caracterizar sistematicamente as festinhas que a jovem Masha (Viktoriya Romanova) e outras participam como o único protagonista da história, faz com que o processo narrativo passe por cima do desenvolvimento de seus personagens.
Scheme enxerga jovens de 14 a 18 anos, pura e simplesmente, como descerebrados que estão sendo levados ao sabor de jovens populares nas redes sociais com quem acabam tendo contato. A história de Masha gira em torno de Ram (Tair Svintsov), o garoto pelo qual ela se apaixona e que está envolvido no esquema. E com isso o filme, aí sim, justifica jovens serem descerebrados. Ou usando o sinônimo desse estado mental: apaixonados.
A condução do diretor Farkhat Sharipov caminha com a câmera na mão através de diferentes ambientes em sequência, como se cada vez mais a vida de Masha sumisse da escola e se resumisse unicamente na quantidade de horas que fica ao lado de Ram, o que envolve necessariamente consumo de drogas e fazer parte de ambientes propícios para libertinagens.
A atuação de Victoriya Romanova é instrumental, pois a obsessão de Sharipov em caracterizar o esquema de Epstein está na mesma proporção dos objetivos de Romanova como atriz, que constrói uma jovem completamente alheia à sua própria vida, entregue aos anseios do jovem que ama. Masha inicia a história ainda na escola e usando uniforme, mas termina como uma boneca de carne, incapaz de tomar as próprias decisões.
Scheme é ágil e vai direto ao ponto. Sua duração é pouco mais de uma hora. Talvez as horas restantes tenham sido cortadas na pós-produção, vai saber. Sua conclusão é ríspida, mas infelizmente correta. Não há muito o que se pode fazer contra esquemas desse tipo, assim como, brevemente citado no filme, não há como evitar que as pessoas participem de pirâmides financeiras. Está implantado em nosso cérebro.
Nos resta, então, observar com mais atenção a mensagem de filmes como esse, que assim como o magistral Elefante, tentam nos fazer pensar simplesmente nos mostrando o que há lá fora. E saber como os esquemas acontecem já é ganhar uma certa consciência. Não que isso ajude muito se você não souber quem são os poderosos por trás disso.
“Scheme” (Kaz, 2022), escrito e dirigido por Farkhat Sharipov, com Diana Bulatova, Evgeniya Ksenaki e Viktoriya Romanova.
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