É realmente uma pena que Tim Burton tenha chegado a um lugar em sua carreira que sua assinatura visual se torne muito mais importante do que, simplesmente, contar uma história, caso contrário Sombras da Noite então não resultaria em algo tão capenga, mesmo com um material tão promissor em mãos.
Desconhecido por aqui, o filme é então a adaptação de uma novela/série americana (Soap Opera) que, particularmente, nunca fez sucesso, mas ainda assim durou de 1966 a 1971 e acabou virando cult após introduzir em sua trama um punhado de elementos sobrenaturais (espíritos, lobisomens, viagens no tempo. Etc.) e, principalmente, o vampiro Barnabas Collins, que se tornou o símbolo da série.
E os problemas de Tim Burton começam exatamente ai: com o intuito de fazer uma homenagem à novela que tanto acompanhou durante as tardes de sua juventude, mas esquecendo que, além do lado sobrenatural, o que mais chamava a atenção nela era seu tom melodramático, exagerado e até ruim (e que hoje é consumida como trash). E transportar isso para o cinema, sem o devido contexto (ou sem a cara de pau necessária para rir de si mesmo) é uma verdadeira tragédia para Sombras da Noite.
A partir do roteiro de Seth Grahame-Smith (que, de certa maneira, brinca com essa mesma lógica cínica a seu favor em seu livro Abraham Lincoln Caçador de Vampiros) e, do recente parceiro de Burton, John August, o diretor prefere então recriar, até com uma certa seriedade artística, todo clima da novela, sem se importar com quem vai ou não entender as referências. É lógico que em termos visuais, como é de se esperar nos filmes de Burton, o espectador vai se divertir com todo mundo criado, com todas referências e exageros teatrais que rodeiam o filme, principalmente na hora de recriar essa cidade do Maine em 1976 e nas atuações melodramáticas do elenco. Tudo na medida para quem entrar no cinema preparado para dar risada daquilo como uma novela “malfeita”, mas isso não quer dizer que todos irão entender a piada.
Burton aposta então em alusões divertidas como o logotipo de uma “certa lanchonete” representando um demônio em um livro satanista, e até na famosa “levantada reta” de dentro do caixão (de Nosferatu), mas, no resto do tempo, se perde em uma comédia meio boba e forçada, que se esquece de se divertir com toda situação do vampiro que acorda dois séculos depois e encontra sua família em ruínas enquanto a bruxa (Eva Green) que lhe amaldiçoou arruinou tudo em que suas gerações posteriores tocaram. E continua preparada para se vingar de Barnabas (Johnny Depp) por não amá-la, uma trama que, por si só, se mostra tremendamente simplória e rasa, e que deixa difícil esperar mais que o óbvio.
Em detrimento de um visual realmente interessante e do ótimo trabalho de todo elenco, o diretor então parece nem se importar com essa ausência de uma linha narrativa minimamente coerente que empurre seus personagens senão para, cada um por si, cumprir um arco solitário. Pior ainda, apenas juntando todos de modo pouco coerente em uma preguiçosa luta final contra a vilã, o que rebaixa demais toda experiência e regula a história por baixo demais.
E “preguiçosa”, pois, sem a mínima vontade de surpreender qualquer um, introduz cada um dos elementos da família como uma espécie de “arma” para ganhar a batalha, uma solução tremendamente rasteira diante de todo aparente esforço em traçar toda dinâmica dentro dessa família problemática, já que, facilmente, tudo isso poderia ser ignorado e esquecido de lado sem que fizesse qualquer diferença na trama principal. Por mais que sejam bem tratados, tanto pelo roteiro quanto pelo diretor (no mínimo em algumas apresentações dignas) é difícil se aproximar dos Collins (mesmo com a sempre linda Michelle Pfeiffer na liderança) e até entender certas escolhas narrativas.
É quase impossível entender a presença do personagem vivido por John Lee Miller (de Transpotting) a não ser como pai do menino David Collins, que nem parece sentir a ausência do pai como motivação (muito menos deixando o espectador entender a função de uma certa sequência envolvendo o pai roubando carteiras em uma festa). E muito disso se dá pela importância apática que ele tem dentro da trama, o que impede que qualquer um no cinema se importe com ele, na verdade que se importe com todos a não ser com o vampiro Barnabas Collins.
De modo clássico Barnabas é cuidadosamente apresentado como esse homem apaixonado e amaldiçoado, tudo nesse prólogo útil e talvez um pouco cumprido demais, mas que serve de ponto inicial para cria a ironia desse “ser das trevas clássico” que acorda em 1972 e, logo de cara, faz o que qualquer vampiro que se preze faria, mesmo que isso não o torne o mais simpático dos personagens “à segunda vista”. O que faz ainda com que o espectador, ao mesmo tempo, tema seu poder, saiba do que ele e capas, mas se importe e tenha pena daquele personagem, já que não se esquece de sua dor. Tudo também graças ao trabalho mais uma vez inspirado de Depp, criando esse vampiro cínico, apaixonado e completamente deslocado de seu mundo (mesmo que essa piada aos poucos se esqueça pela trama), divertido e ameaçador, uma combinação curiosa e que fisga o espectador. Infelizmente, um tom que não é aproveitado no resto do tempo.
Com certa boa vontade é fácil entender que o que Burton quer é recriar uma estética óbvia e novelesca, mas para isso se tornar menos fatigante, aproveitar mais esse tipo de humor que aparece em alguns momentos fosse uma resposta interessante, como quando Barnabas encontra e cita uma “lamentável reviravolta dos fatos”, ou quando um dos personagens se transforma em um lobisomem e cobra que aquilo não se torne importante para a trama, “no big deal”, como se convidasse o espectador a rir um pouco mais dos exageros dos movimentos que Depp emprega em seu personagem, ou com as dicas óbvias ao redor dele ser um vampiro, e não um mero parente vindo da Europa, mas tudo sem dar um segundo passo que tornasse o filme uma divertida sátira de si mesmo.
Ainda assim, Sombras da Noite tem um visual tão inevitavelmente interessante e cheio detalhes (principalmente seus figurinos impecáveis) e mais um personagem deliciosamente peculiar na lista da combinação Johnny Depp/Tim Burton para que, mesmo capenga e sem contexto (pelo menos para quem não viu a novela) ainda assim seja fácil sair do cinema com a sensação de que no dia seguinte essa história toda poderia continuar e, provavelmente, você acabaria vendo esse outro capítulo só para saber onde tudo isso possa parar. E não tenha dúvidas que isso acontece graças a essa vontade de Burton de contar um episódio dessa novela, e não uma história fechada e careta.
Dark Shadows(EUA, 2012) escrito por Seth Grahame-Smith e John August, dirigido por Tim Burton, com Johnny Depp, Michelle Pfeiffer, Helena Bohan Carter, Eva Green, Jackie Early Haley, Johnny Lee Miller, Bella Heathcote, Chloe Grace Moretz e Gulliver McGrath.
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