Para quem não ligou o nome à pessoa, Phillip Marlowe é o famoso detetive particular criado por Raymond Chandler e que estrelou 10 livros e ainda surgiu antes disso em quatro contos. O pessoal também pode ter trombado com ele em uma das 10 outras aparições do personagem no cinema. Sombras de um Crime (no original só “Marlowe“) é a décima primeira.
Mas Neil Jordan (que também dirige) e William Monahan não foram até o autor original, mas sim buscaram inspiração em um recente livro de John Banville, “The Black-Eyed Blonde”, que usa o personagem como protagonista. Já o papel do detetive fica com Liam Neeson na nona personificação dele no cinema, já que apenas Robert Mitchum repetiu o papel no cinema. Mas entre figuras mitológicas como o próprio Mitchum, Elliot Gould, James Garner e Humphrey Bogart, Neeson some. O filme também.
Não que o resultado seja ruim, só é esquecível. Provavelmente pelo cinema estar tão longe de qualquer “intenção Noir” ou, simplesmente, por Sombras de Um Crime ser uma história tão genérica e previsível que não deve chamar a atenção de ninguém. Possivelmente com um pouco mais de carinho e cuidado, o filme tivesse mais sensibilidade com o personagem e não se interessasse apenas pela trama, que como é fraca, carrega o filme para o mesmo buraco.
Como é de se esperar, Marlowe está lá sem fazer nada na vida em seu escritório recortado pela luz da Califórnia que entra pelas frestas de sua veneziana entreaberta, até que a Senhora Cavendish (Diane Kruger) entra no recinto com pinta de “Femme Fatalle”. Talvez ela não seja “senhora” e sim “senhorita”. Talvez ela seja legal, ou não. Talvez vilã ou… sei lá o que essas mulheres no Noir podem ser. Mas são todas incríveis e Kruger corresponde à expectativa.
Ela contrata Marlowe para procurar seu amante sumido, o que é o gatilho para o detetive sair por aí fazendo perguntas que levam a outras perguntas e dúvidas e uma trama ainda mais emaranhada, questionável e cheia de personagens que estão mentindo. Tudo em sépia, com ventiladores que estão em uma velocidade mais baixa do que deveria, ternos, chapéus e gente perigosa. Como todo livro de Chandler (e os inspirados por ele) e qualquer Noir.
A história caminha óbvia e mistura trafica de drogas e influência, tudo em meio a um estúdio de cinema gigante de Hollywood e o poder que vem com tudo isso. Marlowe vai entrando nesse mundo a cada pergunta, soco e mentira.
Para os fãs do gênero, que quase sempre ficam órfãos dele durante muito tempo, Sombras de um Crime dá certo. Os diálogos cortantes e o elenco com gente como Jessica Lange, Alan Cumming e Danny Huston faz o clima funcionar, talvez não como a maioria dos outros filmes com o personagem como protagonista, mas ainda assim como surpresas e carinho suficiente para agradecer a maioria do pessoal.
Na superfície disso tudo está o ganhador do Oscar Neil Jordan, um cineasta que sempre pareceu tão interessado nas relações humanas e nas mentiras, que isso o colocaria em rota de colisão com o Noir uma hora ou outra. Entretanto, sua estreia parece tão entediante e simplista que parece se tratar de um diretor qualquer. É óbvio que isso significa que o filme acaba ficando na grande média do cinema atual diante de um mar de mediocridade, mas ainda assim é impossível não criar maiores expectativas diante de um cara que assinou Entrevista com o Vampiro e Traídos pelo Desejo.
Mas ainda assim Sombras de Um Crime cumpre parte do que promete. É pouco, mais ainda assim suficiente para ser um filme Noir em pleno 2023 com personalidade e vontade de ser exatamente isso, mesmo em uma época que parece que ninguém mais se importa com eles.
Talvez com um pouco mais de capricho e atenção, Sombras de um Crime pudesse até ser um novo começo de uma moda ou até de bem-vindas adaptações do divertido, arrogante e durão Phillip Marlowe, mas parece que ainda não vai ser agora. Quem sabe em uma 12° adaptação e um 11° ator por baixa do chapéu e de toda marra. Mas com certeza ainda não vai acontecer agora.